
Desafio do desodorante aerossol, viral em diversas redes sociais mata Sarah Raissa Pereira de Castro, de 8 anos: ela é mais uma criança que perde a vida por inalar as substâncias tóxicas por sugestão de canais que merecem banimento da internet e vídeo mostra que brincadeira infame tem mais de 10 anos
Uma menina de 8 anos morreu após inalar desodorante aerossol, no Distrito Federal. Sarah Raissa Pereira de Castro teve seu óbito declarado no Hospital Regional de Ceilândia (HRC), neste domingo (13). Conforme informações de uma tia da vítima à imprensa, ela morreu tentando vencer o absurdo desafio viral do desodorante, que circula na internet, principalmente nas redes sociais e outros meios digitais. Infelizmente, o caso dela soma-se a muitos outros já registrados no Brasil e no mundo pela mesma causa.
Ela deu entrada no Hospital Regional de Ceilândia na última quinta-feira (10). Sarah teve uma parada cardiorrespiratória após participar do “desafio do desodorante”. Durante 60 minutos, a equipe médica da Unidade de Terapia Intensiva lutou para reanimá-la. Apesar de seu coração ter voltado a bater, ela não apresentou reflexos. Assim sendo, tudo apontava para um quadro de morte cerebral, ainda no dia 10 de abril. No domingo (13), após vários exames, ocorreu a confirmação de inatividade cerebral e a declaração do óbito.
O “desafio” – comparável a uma roleta russa travestida de brincadeira – consiste no incentivo da absurda tarefa de inalar desodorante. Via de regra, o público-alvo consiste em crianças e adolescentes, geralmente estimuladas a gravar a experiência enquanto cumprem o desafio para depois compartilhar. Logo, esses vídeos somam milhares de visualizações e, por consequência, monetizam plataformas e influenciadores.
O caso está sob investigação da 15ª DP, no Distrito Federal. O delegado Ataliba Neto abriu um inquérito para apurar as circunstâncias da morte e tentar identificar os responsáveis pela publicação do “desafio do desodorante” em uma rede social.
Família não tinha dinheiro para sepultamento
Sobre o funeral da menina Sarah Raissa, o velório acontece nesta segunda-feira (14) na capela 4 do Cemitério Campo da Esperança, em Taguatinga, no Distrito Federal, às 14h, enquanto o sepultamento está marcado para as 16h.

A estupidez viralizada e a irresponsabilidade amplificada pela tecnologia, expôs ainda uma outra fragilidade: a econômica. Além do peso incalculável da dor causado pela morte de uma criança, a família sequer tinha dinheiro para arcar com as despesas funerárias. Em contrapartida, houve a realização de uma “vaquinha” para arrecadar o montante necessário para os custos com a cerimônia de despedida. Entretanto, após de 13 horas, arrecadou-se o valor suficiente para o doloroso e sofrido adeus.

Concupiscência sem limites na internet
A ganância patética por likes, visualizações, comentários, engajamento e monetização, em suma, alimenta-se da desgraça dessa família e de outras. Os estimuladores desse tipo de comportamento precisam se olhar no espelho e ver o quão são criminosos, quando impõem o cumprimento desses desafios como meio de validação de suas vítimas. Primordialmente, sugerindo o sacrifício da integridade física delas e da imitação perigosa de suas ideias imbecis por outros.
Médica que atendeu menina faz alerta
Em tom de revolta e indignação, a Dra. Daniela (não indicou sobrenome), que trabalha na regulação do CTI do hospital que atendeu Sarah Raissa classificou o episódio envolvendo como um absurdo. Diante do caso, ela gravou um alerta no dia 11 para que pais e mães procurasse explicar aos filhos que esses desafios não podem ser feitos, não devem ser feitos. Já dizendo que a criança, apesar de sã, iria evoluir para um quadro de morte, pediu às pessoas que vissem desafios como esse para fazer o óbvio: denunciar.
“Apesar de ser médica, também sou mãe. Eu não cheguei a ver nas redes o que tá acontecendo, mas eu trabalho na regulação de leitos de UTI e aqui na minha lista tem uma criança de 8 anos que fez um desafio da internet. Ela inalou desodorante, teve uma parada cardíaca, 60 minutos de parada, foi reanimada, só que evoluiu sem reflexo, quer dizer, vai evoluir com morte encefálica. Uma menina de 8 anos, 8 anos, sem comorbidade, sem nenhuma doença, por conta de uma brincadeira de mau gosto, muito mau gosto”.
Desafio do desodorante tem mais de 10 anos
O Folha do Leste teve acesso a um vídeo de 2013, onde duas jovens mulheres propagam o desafio. Veja abaixo:
Polícia apura desafio do desodorante
De acordo com a 15ª DP, o inquérito policial vai apurar as circunstâncias da morte de Sarah. Principalmente, esclarecer como a criança teve acesso ao “desafio” e identificar o responsável pela publicação na rede social TikTok. Por fim, dependendo da tipificação do crime após a conclusão das investigações, a pena pode chegar a 30 anos de reclusão. Sobretudo, caso a Polícia Civil, o Ministério Público e a Justiça entendam tratar-se de homicídio com duas circunstâncias qualificadoras. Tanto pela idade da vítima – menor de 14 anos – assim como pelo cometimento por meio que pode causar perigo comum.
Caso reacenderá debate sobre liberdade de expressão nas redes
O caso acontece em um momento crucial em que parte da sociedade defende a ausência de limites para a liberdade de expressão. Até mesmo quando deturpada e usada como escudo para a idiotice e a irresponsabilidade criminosa. Urge, no país, após esse caso, um basta moral e ético a essa cultura de exposição perigosa e irresponsável que mina a sanidade e coloca vidas em risco.
Desafio do desodorante coleciona várias vítimas fatais
Infelizmente, o “desafio do desodorante” tem causado mortes trágicas de crianças e adolescentes no Brasil e em todo mundo. O produto, fabricado para uso tópico (no corpo), quando inalados de forma intencional ou em excesso, é extremamente perigosa e pode ser fatal. De antemão, por conta dos efeitos asfixiantes e cardiotóxicos dos propelentes. Além disso, pela toxicidade de outros componentes em altas concentrações, que podem causar asfixia, parada cardíaca, lesões pulmonares e depressão do sistema nervoso central.
Em março de 2025, uma menina de 11 anos também morreu por conta do desafio após inalar desodorante aerossol, na cidade de Bom Jardim, Agreste de Pernambuco. Ainda a caminho do Hospital Municipal Dr. Miguel Arraes, Brenda Sophia Melo de Santana teve uma parada cardiorrespiratória. Às 16h24, ela já chegou desacordada à unidade, com a coberta por um material esbranquiçado. A equipe de saúde tentou reanimar a menina por cerca de 40 minutos, mas ela não resistiu e morreu.
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João Victor Santos Mapa tinha 10 anos quando em agosto de 2022, foi encontrado desacordado dentro de um guarda-roupa. O fato aconteceu em em Belo Horizonte (MG), após o menino ter inalado desodorante. O SAMU constatou a morte no local. No mesmo ano, em Salinópolis (PA), Iarlen Augusto Santa Brigida da Silva, morreu aos 12 anos. Quando o encontraram, ele estava inconsciente em seu quarto, ao lado de um frasco de desodorante. Por conta disso, suspeita-se que participava do desafio.
Os casos não se tratam de uma exclusividade brasileira, pois nos Estados Unidos, em 2021, uma garota de 12 anos morreu após inalar desodorante em aerossol durante um desafio viral.
Em 2020, no Canadá, um adolescente de 13 anos faleceu após participar do desafio do desodorante, que circulava em plataformas online. Fato que se repetiu na Austrália, em 2018, com uma menina de 8 anos, após inalar desodorante aerossol cumprindo o desafio.
Voltando para o Brasil, em Santa Catarina, uma adolescente de 17 anos foi encontrada morta após cumprir o mesmo desafio. O fato aconteceu em em 2019, tendo como causa da morte a asfixia.
Adrielly Gonçalves morreu aos 7 anos de idade em fevereiro de 2018, em São Bernardo do Campo (SP). Adrielly inalou desodorante diretamente na boca, imitando um vídeo da internet e, em seguida, sofreu uma parada cardíaca e faleceu.
A cidade de Eunápolis, na Bahia, testemunhou no ano de 2018 a morte de Marcos Vinícius de Paula Santos. Ele tinha 14 anos e foi encontrado morto com um frasco de desodorante na mão após cumprir o desafio.
Atribuição de culpa às vítimas: canalhice
Os casos apresentados nessa reportagem, em síntese, evidenciam os perigos do desafio viral do desodorante. Igualmente, a completa abstenção de senso crítico de quem os promove ou incentiva. Porém, sabemos que existem muitos outros, travestidos de brincadeiras, com potencial ofensivo semelhante ou até mesmo de maior valência.
Definitivamente, compreender isso como brincadeira ou normalizar tais feitos sob o manto da liberdade de expressão significa a lavratura de salvos-condutos para a prática de canalhices. Em outras palavras, de glorificação da estupidez, pobreza de espírito e ausência de responsabilidade legal como entretenimento.
Mesmo sabendo que ainda haverá quem culpe as vítimas argumentando “fizeram porque quiseram”, deixamos nossas recomendações. Pois somente através da fundamental conscientização poderemos prevenir novas tragédias.
Assim sendo, não deixe de monitorar o conteúdo acessado por crianças e adolescentes na internet sob sua responsabilidade. Também, converse abertamente sobre os riscos de imitar comportamentos perigosos. Por último, denuncie conteúdos que incentivem práticas nocivas nas redes sociais.