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Corpo de idosa morta em Icaraí doado à UFF

Corpo de idosa Elza Guimarães doado à UFF.  Foto: Alessandra Ferreiro/Folha do Leste ₢ Todos os Direitos Reservados. Proibida Cópia, reprodução ou publicação para qualquer fim.

A cena da morte de Dona Elza Guimarães, aos 90 anos, chocou muitas pessoas, no dia 28 de junho, em Icaraí, Zona Sul de Niterói. Primordialmente, diante daquele fim por mal súbito, na rua onde costumava fazer suas compras, sempre acompanhada do cão Toninho, Dona Elza deu seu último suspiro em vida. Mas, antes disso, consciente de que a morte faz parte da vida, deixou registrada uma vontade: que o seu corpo, embora idosa, que o seu corpo fosse doado para pesquisas científicas.

 

Respeito

Corpo de idosa Elza Guimarães doado à UFF porque família respeitou sua vontade prévia.  Foto: Alessandra Ferreiro/Folha do Leste ₢ Todos os Direitos Reservados. Proibida Cópia, reprodução ou publicação para qualquer fim.

De acordo com informações apuradas pelo FOLHA DO LESTE com a família, Dona Elza trabalhou durante anos na área de saúde. Segundo sua sobrinha-bisneta, Gabriella, Elza atuou como enfermeira em sua jornada profissional. Assim sendo, sabia bem da importância da pesquisa e dos estudos clínicos para o avanço da ciência. Viu, com o passar dos anos, mortes e salvamentos. Testemunhou, em sua profissão, milagres e fracassos. Segurou na mão de muitos doentes.

Uma pessoa que tanto serviu à saúde em vida encontrou um meio de continuar à serviço dela após sua morte. Dona Elza teve a preocupação de deixar toda a documentação pronta para que, mesmo idosa, seu corpo fosse doado à Universidade Federal Fluminense. Nos deu uma lição de morte.

 

Cerimônia para despedida

Não pensem que o corpo de Dona Elza saiu da calçada para o campus da universidade, pois seus familiares realizaram todo cerimonial funerário de despedida dela. Somente após o velório, com as devidas honras e despedidas, é que o corpo foi removido para o campus da UFF, no Valonguinho.

Isto posto, para quem atualmente vê na cremação uma solução para o pós-velório, a diferença está apenas no destino que o corpo teve. Não foi para o forno, mas sim para aprimorar a ciência, como era de sua legítima vontade.

Doação de corpo: um gesto altruísta que impulsiona o avanço científico

Imagine uma oportunidade de ter uma segunda vida e, ao mesmo tempo, salvar outras pessoas. Essa é a proposta da doação de corpos para a ciência, um manifesto de generosidade e um desejo genuíno de contribuir para o progresso da medicina.

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A necessidade de corpos para estudos anatômicos e pesquisa em saúde é fundamental em todas as áreas da medicina. Se você já tomou algum medicamento prescrito, usou produtos para a pele ou realizou algum tipo de cirurgia, com certeza se beneficiou desses doadores anônimos, que possibilitaram o desenvolvimento de tratamentos e avanços médicos. É graças a eles que vivemos mais e com melhor qualidade de vida. Afinal, a doação de corpos é uma maneira de abrir portas para o conhecimento e beneficiar tanto os estudantes quanto os profissionais que se dedicarão a cuidar da nossa sociedade.

Escassez

No entanto, o material humano para pesquisa está cada vez mais escasso, prejudicando a qualidade do ensino oferecido. É por isso que o Departamento de Morfologia e Genética está lançando uma campanha voluntária de doação de corpos para o estudo anatômico. A ideia é seguir o exemplo de outros países, onde essa prática é comum, e continuar formando profissionais altamente capacitados no conhecimento da anatomia humana.

Por consequência, nesse interim, há uma preferência por corpos do sexo feminino e de crianças. Devido ao trauma causado pela perda, é difícil para as famílias doarem os corpos das crianças. Considerando que a maior parte dos corpos doados para ensino é de homens, pois muitos deles não são identificados nos Serviços de Verificação de Óbito e seus corpos não reclamados acabam sendo doados após 30 dias, isso resulta em uma menor quantidade de corpos femininos disponíveis. A princípio, Dona Elza, com o nobre gesto altruísta e generoso, parecia saber disso.

Apesar dessa importância, a doação de corpos ainda é pouco popular no Brasil, diferentemente da doação de órgãos. Mal há divulgação de como proceder. Dona Elza conhecia os trâmites. Mas, como ficam as pessoas que possuem esse desejo e nao sabem como fazer para realizá-lo?
A reportagem da FOLHA DO LESTE consultou a advogada e também colunista do jornal, Damiane Arruda, para entender melhor o procedimento.

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Damiane explicou que a Lei nº 10.406 de 2002 que institui o Código Civil, preceitua no seu artigo 14 que é válida, com objetivo científico, ou altruístico, a disposição gratuita do próprio corpo, no todo ou em parte, para depois da morte.

Caso haja desistência desta vontade, a qualquer tempo pode ser revogada. É muito comum este tipo de doação em outros países”, disse.

Damiane ainda explicou que a doação de corpos para estudo é algo raríssimo no país.

No Brasil, em média são doados para programas de doação, apenas cinco corpos por ano”, acrescentou.

Como funciona

Segundo a advogada, deve ser explícito o pedido de doação em vida sobre a vontade de contribuir com o seu corpo para a ciência.

Algumas universidades não aceitam corpos não procurados, não há um impedimento legal, e sim pela ética dentro do meio cientifico. Porém, segundo a Lei nº 8.501/92 que trata de corpos não reclamados junto às autoridades públicas, dispõe que, após o prazo de 30 dias, estes podem ser doados para fins científicos”, explicou.

Procedimento varia

Damiane pontuou que não há legislação nacional para procedimentos de doação, sendo assim, algumas universidades tem o seu próprio protocolo.

Não há custos para quem quer doar, porém, algum familiar deve estar ciente da sua vontade, ou em vida, pode procurar programas de doação voluntária que fornecem formulários necessários para habilitação”, destacou.

No caso de Elza, o corpo foi doado ao Departamento de Morfologia da Universidade Federal Fluminense (UFF). A instituição divide o processo de doação em quatro passos. Veja a seguir:

1. Preenchimento dos seguintes documentos:

A. Termo de doação de órgãos e restos mortais;

B. Termo de testemunho à declaração de doação de órgãos e restos mortais (preenchido por um familiar);

C. Consentimento informado para doação do corpo para o ensino e pesquisa pelo doador ao Departamento de Morfologia da UFF;

D. Formulário de registro do doador.

 

2. Reconhecimento, em cartório, dos seguintes documentos:

A. Termo de doação de órgãos e restos mortais (feito pelo doador);

B. Termo de testemunho à declaração de doação de órgãos e restos mortais (feito pelo familiar);

2º Ofício
Rua Doutor Borman, nº35, Centro – Niterói
3620-3181 / 2719-1277
cartorio@2oficioniteroi.com.br
www.2oficioniteroi.com.br

4º Ofício
Av. Amaral Peixoto, 500, lj 102 – Centro / Niterói
2719-9208 / 2719-7288

3. Encaminhamento dos quatro documentos para o seguinte endereço:

Universidade Federal Fluminense
Departamento de Morfologia
Programa de Doação de Corpos da UFF
Campi do Valonguinho
Outeiro de São João Batista, s/n (Próximo ao Plaza Shopping)
24020-141, Niterói RJ, Brasil

4. Efetivada a entrega dos documentos, devidamente preenchidos e assinados, será registrado no Departamento de Morfologia.

 

Unanimidade distante

Por fim, Daiane frisou que a aceitação da doação do corpo para a ciência ainda está longe de ser uma unanimidade entre a sociedade.

Deste modo, a sociedade ainda encontra obstáculos para a doação. Alguns entendem que se trata de contribuição para a ciência, outros um desrespeito com o corpo alheio”, finalizou

Divulgação meramente acadêmica

Os anatomistas se esforçam para divulgar essa prática essencial para a formação de médicos e pesquisadores da área da saúde. No entanto, trata-se de uma fala muito interna, que não ganha as ruas. Tampouco, chega a opinião pública para debate.

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No entanto, com o objetivo de promover o uso de corpos doados à ciência, pesquisadores estão lutando para que a vontade expressa durante a vida seja respeitada. Embora não haja um impedimento legal para a utilização de corpos não procurados, a ética é um fator crucial nessa questão.

Mas como exatamente esses corpos doados são utilizados? E por que é tão importante que os alunos tenham acesso a eles?

O acesso aos corpos é de extrema importância para os alunos, pois nenhuma alternativa tecnológica atual consegue substituí-los completamente. Livros de anatomia podem fornecer ilustrações realistas, mas não transmitem a perfeita noção de dimensão e localização relativa nem a experiência tátil proporcionada pelo contato com um corpo real. Modelos em plástico e simuladores em computador ajudam a compreender a anatomia de forma mais visual, mas ainda não são capazes de oferecer uma experiência completa como um espécime real.

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Apesar dos avanços tecnológicos, não há substituto para o contato com corpos reais quando se trata do aprendizado dos estudantes de saúde. É uma experiência única e impactante, capaz de formar profissionais ainda mais preparados para perpetuar a vida do ser humano com mais qualidade.

 

Reportagem especial: Vitor d’Ávilla, Alessandra Ferreiro, Angélica Carvalho, Enzo Carvalho

 

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