É cada vez mais acirrado o debate entre a população de Niterói acerca da situação dos moradores em situação de rua. Muitos têm demonstrado abertamente o incômodo com o aumento de pessoas vivendo pelos logradouros públicos. Todavia, este é um problema de cunho social, que requer uma profunda reflexão.
De um lado, moradores, desconfortáveis com a presença de pessoas sem-teto e seus pertences acumulados pelas calçadas. Do outro, pessoas em situação de vulnerabilidade, seja por uso de drogas ou por falta de condições financeiras de pagar por moradia, o que deveria ser um direito básico, proporcionado pelo Estado, tal qual determina a Constituição Federal.
O acirramento do debate tem proporcionado que moradores, embora tendo razão ao reclamar, proponham soluções que vão de encontro à legislação brasileira e aos direitos humanos. As “soluções” vão desde recolhimento compulsório a tentativas de intoxicação com produtos de limpeza.
Vamos jogar creolina em volta das barracas. Quero ver continuarem ali com o cheiro forte”, disse, via redes sociais, uma moradora da Praça Dr. Vitorino, na Ponta d’Areia, onde há uma concentração de três moradores sem-teto.
Temendo ações ofensivas contra a população em situação de rua, vereadores da cidade refletiram sobre a questão, ao longo da última semana. Embora cada um possua suas convicções políticas, todos concordaram que é preciso, de forma conjunta, buscar uma solução, de forma urgente.
Debate em plenário
Os parlamentares trataram do tema durante as sessões plenárias da Câmara Municipal. O vereador Jhonatan Anjos (PDT) atribuiu o problema ao empobrecimento de políticas públicas sociais no país nos últimos anos. Ele teme que a insatisfação gere uma espécie de “caçada” a moradores em situação de rua.
Precisamos debater, de maneira muito responsável, porque nós não queremos, daqui a pouco, uma guerra civil em Niterói de pessoas saindo por aí caçando e açoitando pessoas em situação de rua. Isso pode acontecer a partir da forma como a gente coloca o debate, o discurso no cenário”, afirmou.
Durante as sessões, os parlamentares também apresentaram propostas para atenuar a questão. O vereador Daniel Marques (União) apresentou um projeto de lei para utilização de imóveis atualmente abandonados para um programa habitacional popular.
Poderá o poder público utilizar o imóvel urbano abandonado para abrigo de população e situação de rua, abrigo para mulheres em situação de violência, para programas de recuperação de dependentes químicos ou casa de passagem para animais vítimas de maus-tratos”, explicou.
O vereador Anderson Pipico (PT) recordou que há uma lei nesse sentido, de autoria do ex-vereador e atual deputado estadual Vitor Júnior (PDT), sobre a qual o PL de Marques agregaria. Na condição de presidente da Comissão de Habitação da Casa, deu parecer favorável ao projeto.
O crack não é a raiz do problema, mas sim a consequência de uma sociedade que não cuida do seu povo. É consequência, sobretudo, dos últimos anos em que a gente viveu no nosso país o abandono de vários projetos sociais. O vereador Daniel está de parabéns e a gente fez questão de dar o parecer favorável da Comissão de Habitação”, afirmou.
Chamado ao Governo Federal
Oposicionista ao atual Governo Municipal, o vereador Douglas Gomes (PL) sugeriu que o Poder Executivo solicite apoio do Governo Federal. Ele destacou que os efetivos das forças de segurança não têm sido suficientes para dar conta das demandas geradas.
Se não fizer uma intervenção direta para, de fato, impedir que a droga chegue nas mãos dessas pessoas, a gente vai continuar falando, falando, falando e não vai solucionar o problema”, frisou.
Já Adriano Boinha (PDT) defendeu a criação de um protocolo de atendimento a pessoas em situação de vulnerabilidade. Para o parlamentar, é preciso haver uma ação conjunta entre órgãos de todas as esferas de poder.
Eu acho que a Secretaria de Direitos Humanos tem o poder, junto com a Secretaria de Assistência Social, a Secretaria de Saúde Mental, Saúde Básica, Ministério Público, todos juntos, criar um protocolo a fim de atender essas pessoas que já não respondem por elas”, acrescentou.
Renato Cariello (PDT) também defendeu que haja uma cooperação entre diferentes órgãos. Tal qual Boinha, o parlamentar enfatizou a necessidade de haver um protocolo de ações voltadas a esse público.
Proponho que seja realizada uma reunião com a Presidência da Casa, a Comissão de Direitos Humanos, a Comissão de Segurança Pública, o Ministério Público, a CLIN, a Secretaria de Ordem Pública, a Assistência Social e a Secretaria de Saúde para criar um protocolo de intenções e um plano de ação que permita agir rapidamente”, defendeu.
Legislação vigente
Existem legislações vigentes em relação à população que vive pelas ruas. Assegurado pela Constituição Federal de 1988, o direito à moradia é uma competência comum da União, dos estados e dos municípios. A eles, conforme aponta o texto constitucional, cabe “promover programas de construção de moradias e a melhoria das condições habitacionais e de saneamento básico”.
A decisão também veda o recolhimento forçado de bens e pertences desse público, bem como o emprego de técnicas de arquitetura hostil, com o objetivo de impedir a permanência dessas pessoas, por exemplo, com a instalação de barras em bancos de praças, pedras pontiagudas e espetos em espaços públicos livres, como em viadutos, pontes e marquises de prédios.
O que faz a Prefeitura
“Só no primeiro semestre, foram cerca de 38 mil atendimentos no Centro Pop, que é a porta de entrada para o atendimento à população em estado de vulnerabilidade social. Em média, foram 260 atendimentos por dia no local”, explicou o Governo Municipal.
O Centro Pop é a porta de entrada para o atendimento à população em estado de vulnerabilidade social. De lá, as pessoas são encaminhadas para as unidades de acolhimento, onde recebem atendimento de assistentes sociais, psicólogos e orientação jurídica, encaminhamento para serviços de saúde, trabalho e renda e documentação civil.
O objetivo principal é construir com os acolhidos um trabalho que culmine na sua autonomia e reinserção social. A organização desses serviços garante privacidade, o respeito aos costumes, às tradições e à diversidade de ciclos de vida, arranjos familiares, raça/etnia, religião, gênero e orientação sexual.
Abordagem especializada
Entre a última quarta-feira (18) e quinta-feira (19), o Governo Municipal realizou uma ação integrada para oferecer acolhimento e serviços socioassistenciais e de saúde para pessoas em situação de rua. A ação aconteceu na saída do Túnel Raul Veiga, na Roberto Silveira, uma das avenidas mais movimentadas do município, em Icaraí.
Durante a ação, a Prefeitura abordou 16 pessoas. Ninguém aceitou o acolhimento aos abrigos da cidade. Niterói conta atualmente com mais de 350 vagas de acolhimento na cidade, com 70% de ocupação. As equipes de abordagem social especializada trabalham na sensibilização e convencimento.
Durante a ação, as equipes recolheram os utensílios deixados nas calçadas, que foram embalados separadamente e levados para um depósito público. As pessoas em situação de rua podem solicitar a devolução na Secretaria de Assistência Social e Economia Solidária.
Reportagem: André Freitas e Vítor d’Avila