
Transparência e punição exemplar | Reprodução
*Por Adriana Diniz | Jornalista | Especial para o Folha do Leste*
Nesta quinta-feira, 10 de outubro, é Dia Nacional de Luta Contra a Violência à Mulher. Criada em 1980, a partir de um movimento que começou em São Paulo, quando mulheres se reuniram nas escadarias do Teatro Municipal da cidade para protestar contra o aumento dos crimes de gênero em todo o país. Hoje, 44 anos depois, vemos novamente uma escalada de violência contra a mulher, mas agora uma violência mais silenciosa e mais difícil de ser combatida, a Violência Psicológica, seguida da violência moral, da violência processual e da violência institucional.
Por serem mais difíceis de serem tipificadas e, portanto, de serem combatidas, acabam deixando um rastro de impunidade que desestimula as denúncias, gerando ainda mais abusos. E de acordo com a 10ª edição da pesquisa Violência Doméstica e Familiar contra a Mulher, realizada em 2023 em parceria com o Observatório da Mulher contra a Violência, a violência psicológica é a mais recorrente (89%), seguida pela moral (77%), e só depois pela violência física (76%), pela patrimonial (34%) e pela sexual (25%).
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Cerca de metade das agredidas (52%) sofreram violência praticada pelo marido ou companheiro, e 15%, pelo ex-marido, ex-namorado ou ex-companheiro. De acordo com o documento, a maior parte das vítimas tem conseguido terminar casamentos abusivos. No entanto, a falta de transparência dos agentes da lei e do Direito não nos permite saber quantos desses casos resultam em real punição para os abusadores.
Dados que integram o relatório “O Poder Judiciário na Aplicação da Lei Maria da Penha: ano 2022”, que abrange a atuação do Poder Judiciário na aplicação da Lei Maria da Penha, revelam que, no ano do levantamento, ingressaram no Poder Judiciário 640.867 mil processos de violência doméstica e familiar e/ou feminicídio, porém pouco mais da metade chegou a ser julgado naquele mesmo ano (foram proferidas 399.228 mil sentenças, com ou sem resolução de mérito).
O estudo mostrou, ainda, que a média geral de tempo até o primeiro julgamento – com exceção das medidas protetivas de urgência – é de cerca de 2 anos e 9 meses. Um tempo em que a vida da mulher é literalmente paralisada pelo medo, pela falta de segurança e, muitas vezes, por novos ataques. Se falarmos em violência psicológica, são quase três anos em que a mulher vai sendo revitimizada, uma vez que abuso psicológico não cessa enquanto não há uma punição efetiva.
Destaca-se, ainda, o fato de que não há um dado que mostra quantos desses casos resultaram em condenação do réu, quantos nunca foram julgados a tempo – uma vez que a pena é baixa e, portanto, o tempo de prescrição também é curto. Não temos também qualquer dado sobre casos que nem chegam ao judiciário, por influência dos abusadores na Polícia Civil, instituição extremamente corporativista que tende proteger seus pares.
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Fazem parte do abuso psicológico, maltratar psicologicamente os filhos para atingir a ex-companheira, mover processos com calúnias, usando de fraudes e litigância de má fé, denegrir a imagem da ex-companheira para pessoas de convívio comum, perturbar com questões do filho para atrapalhar seu desenvolvimento profissional, parar de pagar pensão ou mover processos que visem atingi-la economicamente, às vezes pelo simples fato de saber que a vítima precisará arcar com custas processuais, mesmo que ele perca a ação.
A Justiça, portanto, ambiente patriarcal e machista, acaba sendo o caminho escolhido para que o homem perpetue os abusos contra a ex-companheira. É comum que ele tente usar da lei de alienação parental, por exemplo, para tentar atacar a mulher onde mais dói, na sua maternidade. É comum que os processos tenham descrições desonrosas, para desqualificar a imagem da vítima, numa extensão do abuso psicológico que cometem no dia a dia do mundo fora dos tribunais. Embora exista um protocolo para julgamentos com perspectiva de gênero, elaborado pelo Conselho Nacional de Justiça (CNJ), ele é pouquíssimo usado e até mesmo desconhecido pela maioria dos juízes e promotores de Justiça pelo Brasil afora.
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Soma-se a isso, o fato de os homens, geralmente, terem mais recursos financeiros que as mulheres, até por conta de uma desigualdade salarial histórica, e temos a soma sistema judicial machista e patriarcal + homens com melhores advogados (ou pelo menos mais dedicados por serem mais recompensados financeiramente) e o resultado é uma celeridade maior nos processos movidos por homens contra suas ex-companheiras e mais sentenças favoráveis a eles.
Enquanto os processos de Violência Doméstica levam quase 3 anos para ser julgado, esses mesmos acusados, os homens – com mais recursos financeiros – usam o judiciário para se vingar das denúncias feitas por suas ex-companheiras.
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Para se falar em combate à Violência Contra a Mulher, portanto, há que se falar em medidas que possam mitigar os abusos processuais, os abusos institucionais e abusos patrimoniais contra as mulheres que estão no cerne de quase toda violência doméstica. Mulheres oprimidas, sem condições econômicas de seguirem suas vidas, são presas fáceis de homens machistas abusadores. Quando finalmente encontram forças para se libertarem de seus abusadores, se vêem reféns do sistema de Justiça, da desigualdade de gênero em todas as esferas da sociedade e da dificuldade em conseguir apoio efetivo e uma resposta eficaz e célere para os abusos sofridos.
De acordo com o Desembargador Pedro Pedro Valls Feu Rosa, do TJES, responsável pelo projeto Botão do Pânico, vencedor Nacional do Prêmio INNOVARE 2013 e atualmente aplicado em diversas cidades do Brasil, o combate à Violência Doméstica passa por três aspectos: Prevenção (como as medidas protetivas e o próprio botão do pânico, por exemplo), Assistência e Repressão.

Transparência e punição exemplar | Divulgação
Dentro do projeto, mulheres vítimas de Violência Doméstica, já com medidas protetivas, recebiam um aparelho – uma espécie de pager – que atualmente foi substituído por aplicativos baixados no celular, que permitem que elas acionem a central da polícia caso o agressor se aproxime delas, ameaçando quebrar a medida protetiva.
Feu Rosa reconhece que, muitas vezes, por diferentes motivos, as denúncias de Violência Doméstica não recebem o andamento adequado, com a seriedade e celeridade que os casos merecem e necessitam.
“Há uma frase que diz que o maior estímulo ao crime é a certeza da impunidade. Uma pessoa que tem certeza que não será punida cometerá os maiores abusos, os maiores ilícitos que pudermos imaginar”, comenta o desembargador, destacando que o problema está em todas as esferas responsáveis por investigar, apurar, denunciar e julgar os casos (delegacias, ministério público e sistema judiciário).
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Feu Rosa sugere que um sistema eletrônico de monitoramento e transparência poderia melhorar essa lacuna que existe hoje no que diz respeito ao combate à Violência Doméstica. “Hoje em dia, o mundo brasileiro está digitalizado, tudo na internet, mas ao mesmo tempo não está. Quantos processos de violência doméstica estão com quem, há quanto tempo? Ninguém sabe. Os dados existem, mas não estão organizados e disponibilizados de forma transparente.
Quais estão no cartório, na delegacia, no MP, no judiciário?”, questiona o desembargador, que já foi presidente do Comitê de Governança da Tecnologia da Informação e da Comunicação do TJES e que no ano passado recebeu o Troféu de 1º Lugar como Palestrante Melhor Avaliado na 10ª Edição do Enastic, o Encontro Nacional de Tecnologia e Inovação da Justiça Estadual do Espírito Santo.
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O magistrado ressalta, que a transparência não teria como objetivo somente punir o mal profissional, aquele que é moroso por negligência ou interesse, mas para que a sociedade possa cobrar a estrutura necessária para que os casos sejam julgados com a celeridade que necessitam.
“A culpa é de quem? A Justiça é morosa, o que é a Justiça? Envolve vários órgãos. Como saber onde e quem que foi lento? É possível saber o nome do profissional que foi moroso? Há que se lançar uma luz sobre isso para se descobrir onde está o gargalo”, pontua Pedro Feu Rosa, que fala com a autoridade de quem já adotou, por conta própria, em seu gabinete, uma medida simples, barata e que poderia mitigar essa falta de transparência.

Transparência e punição exemplar | Divulgação
O desembargador mantém, há mais de 30 anos, na antessala de seu gabinete, um painel eletrônico que mostra quantos processos estão sob sua responsabilidade, há quantos dias, quantos já foram julgados, quantos aguardam julgamento. A proposta do magistrado, é que em cada setor responsável por uma denúncia de violência contra a mulher ou contra crianças, que tenha um painel desse tipo, informando os nomes dos profissionais responsáveis pelos mesmos.
“Nada melhor para eliminar o mofo que um raio de sol”, comenta Feu Rosa. “Minha sugestão é que os procedimentos tenham um rosto, de forma que a sociedade civil possa cobrar e exigir”, conclui.