Na última semana, em 29 de fevereiro, foi celebrado o Dia Mundial das Doenças Raras. De acordo com dados do Ministério da Saúde, cerca de 13 milhões de brasileiros são afetados por doenças raras. Mas, para 95% dessas pessoas, não há nenhum tratamento específico.
Com o objetivo de dar visibilidade ao assunto e conscientizar a população sobre a existência dessas enfermidades, a professora Patrícia Saldanha, da Universidade Federal Fluminense (UFF), criou a plataforma “Saúde Raras”, que está em construção.
“A falta de informação, que pode ser tão ou mais nociva quanto a doença, a dificuldade de conseguir um diagnóstico e a escassez de profissionais qualificados aumenta a sensação de solidão do paciente e, também, a necessidade de haver um espaço para debater o tema. Por essa razão, precisávamos de um espaço para a ampla democratização da informação sobre doenças raras e, por isso, a ideia da plataforma. Então, resolvemos fazer uma comunicação pautada na publicidade social de interesse público, que inclui a população no debate, e essa foi a grande virada de chave para a criação da Plataforma Saúde Raras. Agora, vamos começar informando sobre três doenças, mas o objetivo é incluir o máximo possível”, afirma Patrícia.
Desenvolvido como um projeto de extensão, o site vai conter, inicialmente, informações sobre três enfermidades distintas: Polineuropatia Amiloidótica Familiar (PAF) ou doença dos pezinhos, uma doença neurológica hereditária degenerativa que afeta o sistema nervoso periférico e autônomo, levando à perda tátil e sensorial térmica, perda de peso e etc; a Doença de Addison, que produz vários sintomas, incluindo hipotensão e hiperpigmentação, e pode causar colapso cardiovascular; e a Narcolepsia, um distúrbio do sono caracterizado pela sonolência excessiva durante o dia ou episódios recorrentes e incontroláveis de sono durante as horas normais da vigília, geralmente com episódios súbitos e temporários de fraqueza muscular. Na sequência, pretendemos incluir a Síndrome de Ehlers-Danlos (SED), Síndrome Pós-Poliomielite (SPP), Mucopolissacaridoses (MPS) e todos que vierem.
A plataforma será estruturada por pilares como ter uma linguagem acessível, indicação de possíveis sintomas, informar quais são as associações relacionadas a cada doença, além de catalogar profissionais de saúde engajados na luta pela causa indicados, fornecendo ainda orientações sobre o direito ao Sistema Único de Saúde (SUS) e possíveis caminhos para obter diagnóstico e tratamento adequados.
Patrícia revela que o espaço será aberto para o compartilhamento de experiências e conhecimentos adquiridos de forma acessível.
“As próprias pessoas ligadas às associações e grupos organizados vão administrar, por exemplo, toda informação que entrar no site. Em relação à amiloidose, ficarei como responsável. Já a Ana Braga, por exemplo, que criou a Associação Brasileira de Narcolepsia e Hipersônia Idiopática (ABRANHI), estará à frente dos conteúdos da narcolepsia.”
Baseada em uma experiência pessoal da coordenadora do projeto, o suporte da “Equipe Raras”, um coletivo de referência que auxilia a divulgar informações sobre cinco doenças raras e oferece uma rede de apoio para os que enfrentam enfermidades.
“O conceito da Equipe Raras nasce dentro da UFF e tudo foi rápido. Falávamos da importância de termos um cadastro, porque não existem números oficiais, somente estimativas. Ter números significa que podemos cobrar ações de políticas públicas. Nesse sentido, o Saúde Raras vem com a participação da população, com a colaboração de estudantes de medicina, sistema de informação, ciências da computação, publicidade e propaganda e jornalismo. É uma plataforma participativa com o poder popular e isso faz toda a diferença”, relata Adriana Santiago, integrante da Equipe Raras.
Importância da plataforma
Em 2010, Adriana, mãe de Letícia, observou que sua filha, aos cinco anos de idade, começou a manifestar sintomas inespecíficos, os quais, após dois anos, foram diagnosticados como sendo da doença de Addison. Motivada pelo desejo de melhorar a qualidade de vida de sua filha e impulsionada por extensos estudos e pesquisas, Adriana fundou a Associação Brasileira Addisoniana (ABA) em 2019, com objetivo de ajudar e dar suporte à vida da comunidade afetada pela doença.
Letícia, estudante de medicina, percebeu uma lacuna significativa no estudo de doenças raras durante sua jornada acadêmica.
“Foi muito estranho entrar para medicina e ver que as pessoas não sabem muito sobre as doenças raras. É controverso. Na minha visão como pessoa com doença rara e acadêmica, essa é a importância da plataforma, já que poderá ser usada tanto para aprender quanto para pesquisa. Espero que ela motive os profissionais e estudantes da área da saúde, assim, no futuro vamos ter equipes multidisciplinares para lidar com as doenças de forma mais natural e produzir mais pesquisas científicas, afinal cuidamos de vidas”.
Há mais de duas décadas, Ana Braga convive com a narcolepsia, um diagnóstico que só veio depois de 12 anos desde o surgimento dos primeiros sintomas da doença. Graduada em Ciências Biológicas e mestra em Histologia e Morfologia pela Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ), contribui também na construção da plataforma. Para ela, o site representa mais do que apenas uma ferramenta de comunicação; é uma verdadeira revolução para pessoas que vivem com doenças raras.
“É muito mais difícil lidar com a falta de informação do que com a doença. É daí que surge a ideia de fazer o Saúde Raras, que é uma plataforma séria e feita com a nossa participação, porque vivemos na pele isso. O legal da plataforma é que ela não tem o nome de doença rara, é saúdes raras, e isso nos dá uma esperança, já que estamos dentro de um contexto em que acordamos todos os dias sabendo que a doença não tem cura ou tratamento”.
Outras ações
Ao longo deste ano, estão previstas uma série de ações em conjunto ao lançamento da plataforma, incluindo a estruturação de uma disciplina da graduação multidisciplinar no primeiro semestre letivo. A sociedade civil será convidada para opinar sobre a estrutura do protótipo do site durante a agenda acadêmica e será feita ainda a divulgação do material produzido anteriormente nas redes sociais. Além disso, outro plano futuro envolve estabelecer um diálogo com agentes comunitários de Niterói, responsáveis pela atenção primária das doenças, iniciando um canal de contato direto entre a população e a universidade.