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Niterói regulamenta abordagem à população em situação de rua

População de Rua

Entra em vigor, em Niterói, Decreto com protocolos para assistência de pessoas em situação de rua | Foto: André Freitas/Folha do Leste

O município de Niterói instituiu, na quinta-feira (19). as diretrizes e o protocolo de atuação do Serviço Especializado de Abordagem Social à população em situação de rua na cidade. A questão tem se mostrado um grave problema na cidade, gerando um debate cada vez mais acalorado sobre o tema. O FOLHA DO LESTE realizou reportagem especial sobre o assunto.

Nos últimos dias, algumas abordagens foram realizadas por equipes da prefeitura de Niterói. Todavia, segue prevalecendo a decisão do Supremo Tribunal Federal proibindo a remoção compulsória de pessoas em situação de rua. A  decisão decorre de ação movida pela Rede Sustentabilidade, PSOL e MTST.

STF determina a proibição remover pessoas em situação de rua à força | Foto: Rovena Rosa/Agência Brasil

Para efeito do Decreto normativo de Niterói, consideram-se pessoas nessa condição as crianças, adolescentes, jovens, adultos, idosos e famílias que possuam em comum a pobreza extrema, os vínculos familiares interrompidos ou fragilizados, a inexistência de moradia convencional regular, e que utilizam os logradouros públicos e as áreas degradadas como espaço de moradia e sustento, de forma temporária ou permanente, bem como as unidades de acolhimento para pernoite ou como moradia provisória.

O ato se deu por decreto do prefeito em exercício Paulo Bagueira. Segundo as considerações da medida, a Constituição Federal de 1988, em seu artigo 6º, estabelece que a moradia é um direito social, fundamental para a dignidade humana, e que o Estado tem a obrigação de promover condições dignas de vida para todos os cidadãos.

Decreto foi assinado por Paulo Bagueira, na qualidade de prefeito em exercício | Reprodução

Considerações da norma

Assim sendo, o diploma legal leva em consideração, além de diversas Resoluções do Conselho Nacional de Assistência Social, o Decreto Federal nº 7.053, de 23 de dezembro de 2009. Através dele, instituiu-se a Política Nacional para População em Situação de Rua.

O Decreto considera, também, a Lei Orgânica do Sistema Único de Saúde nº 8.080/1990; e a Lei Orgânica da Assistência Social nº 8.472/1993. E, acima de tudo, o Decreto Municipal nº 14.806/2023, de 12 de abril de 2023, que instituiu o Comitê Intersetorial de Planejamento, Execução, Acompanhamento e Monitoramento de Políticas Públicas do Município voltadas para a População em Situação de Rua.

 

A transdisciplinaridade das ações de habitação e assistência social para o âmbito municipal permite uma abordagem mais sensível às peculiaridades locais, garantindo que as soluções sejam adaptadas às necessidades específicas de cada comunidade”, justifica o Decreto, considerando ainda a obrigatoriedade de o Poder Público prestar atendimento à população em situação de rua na cidade de Niterói, garantindo padrões éticos de dignidade e não violência na concretização de seus direitos à cidadania”

 

A equipe do Serviço Especializado em Abordagem Social à população em situação de rua será composta por profissionais nas funções de Educador Social e Técnico, sendo Assistente Social ou Psicólogo, atuando 24h em regime de plantão. Sua base física operacional ficará no no Centro de Referência Especializado para População em Situação de Rua – CENTRO POP. O endereço: Rua Coronel Gomes Machado, 279 – Centro de Niterói.

OBJETIVOS

Trata-se de ação da Proteção Social Especial de Média Complexidade, possuindo como foco de ação os logradouros de Niterói. Todavia, seus objetivos correspondem a situações desafiadoras. Dizemos isso, pois a construção do processo de saída das ruas, bem como a geração de condições de acesso à rede de serviços e benefícios assistenciais, depende da vontade das pessoas nessa situação. Poucos aceitam ajuda, a maior parte das pessoas, simplesmente, recusa.

Busca ativa

Uma outra questão objetiva da norma está diretamente ligada à busca ativa. Via de regra, entende-se que o município, através da assistência social e, principalmente pelos Conselhos Municipais e Comissões do Poder Legislativo, já deveriam atuar na busca pela identificação de crianças, adolescentes, adultos, famílias e idosos com direitos violados. Independentemente de sua condição de moradia.

Estabelecer o que já é regra como regra, basicamente, trata-se de repetir o obvio. A norma diz, ainda que o Serviço deve investigar a natureza das violações de direitos, as condições em que vivem, as estratégias de sobrevivência, procedências, aspirações, desejos e relações estabelecidas com a rua e com as instituições considerando a história de vida de crianças, adolescentes, adultos, famílias e idosos.

Objetivos positivos

Todavia, as demais ações estabelecidas como meta vão ao encontro do que a sociedade razoavelmente racional espera. Pois, certamente, trata-se de senso comum a necessidade de promoção de ações de sensibilização para divulgação do trabalho realizado. De igual forma, da difusão dos direitos e necessidades de inclusão social das pessoas em situação de rua. Sobretudo, o estabelecimento de parcerias. A questão é reflexo de uma falência econômica e social nacional e estadual, que eclode em milhares de cidades no Brasil. Também, em dezenas de municípios fluminenses.

Moradores de Rua: Niterói na mira do MPRJ

Foto: Divulgação

Atender a população em situação de rua através do Serviço Especializado de Abordagem Social se mostra um passo importante quando o objetivo é o resgate da cidadania e da autonomia. Isso terá, como consequência natural, o alcance de outros objetivos, tais como a emancipação e reinserção familiar e comunitária.

Sabe-se que a realidade da vida nas ruas por vezes inclui situações de exploração. Para isso, o Decreto do município determina que o Serviço Especializado identifique as áreas de concentração de situações de exploração sexual e de trabalho infanto-juvenil. Por fim, intersetorialidade com as demais políticas públicas revela-se essencial para a pretendida promoção da proteção integral através da escuta qualificada e inserção em programas sociais das pessoas em tal condição de vulnerabilidade

PRINCÍPIOS

As diretrizes e protocolos do Serviço Especializado em Abordagem Social se baseia na prevalência dos direitos humanos, sociais e assistenciais, com prevalência no princípio da dignidade da pessoa.

Agentes da Clin e Segurança presente participaram da ação

Agentes da Clin e Segurança presente participaram da ação de abordagem a pessoas em situação de rua – Foto: Divulgação/Segurança Presente

Primordialmente, pretende promover a cidadania dos indivíduos e respeito à dignidade do ser humano. Quer, ainda, garantir o tratamento pautado no vínculo responsável, na valorização da dignidade humana e no cuidado integral à saúde. Visa, igualmente, promover a convivência e reinserção familiar e comunitária, sem qualquer pactuação com qualquer forma de discriminação. Isso inclui questões de gênero, religião, faixa etária, orientação sexual, origem étnica ou social, dentre outras. E, essencialmente, a igualdade de direitos no acesso ao atendimento.

Fortalecer vínculos

O êxito das ações depende de algo fundamental: conseguir fazer com que as pessoas em situação de rua confiem no poder público. Para isso, a normativa determina que o Serviço de Abordagem Social deve orientar-se pela singularidade do cuidado. Isso significa promover, a cada encontro, a construção e avaliação de projetos terapêuticos apropriados para aquela pessoa, especificamente. Isso requer, especialmente, pensar e planejar para cada caso, as melhores conduções de cuidado e assistência, promovendo articulação entre os serviços da saúde e outras secretarias visando melhor atender às demandas de cada usuário.

No mesmo sentido, a norma exige a preservação do vínculo entre usuários e equipes de saúde, uma vez que não há possibilidade terapêutica sem a construção de vínculos que assegurem a continuidade do cuidado e confiança dos sujeitos às equipes de saúde.

Saúde

Em se tratando de saúde, o Serviço Especial deverá acompanhar eventuais agravos em saúde, respostas epidemiológicas consistentes e rotinas de assistência e vigilância em Saúde. Acima de tudo, visando assegurar o cuidado materno-infantil, tratamento às Infecções Sexualmente Transmissíveis e demais doenças infectocontagiosas, inclusive aquelas fora desse contexto.

De antemão, nas ações de zeladoria, garantir a efetiva disponibilidade e apoio do Centro de Controle de Zoonoses (CCZ). Também, do Serviço de Atendimento Móvel de Urgência (SAMU). E de serviços da rede de urgência e emergência e das equipes de assistência social. Juntamente com isso, participar de reuniões com a rede local e fóruns intersetoriais. Essa medida é de fundamental importância para o fortalecimento do trabalho realizado. Enfim, tal engajamento, cumulado com o estudo dos casos,  contribuirá com  a sensibilização para ressignificação da situação de rua e discussão de metodologias de enfrentamento para essa questão.

 

Participação cidadã

A população tem papel fundamental para que os protocolos possam ter execução eficaz. Para isso, a norma prevê a garantia da participação da população, por meio de organizações representativas, na formulação das políticas e no controle das ações.

Há, ainda, a necessidade de sensibilização da população quanto à mudança de paradigmas culturais. Isso no que concerne aos direitos humanos, econômicos, sociais e culturais da população em situação de rua.

Outra questão relevante é o incentivo à capacitação de profissionais para atuação na rede de proteção às pessoas em situação de rua. Além disso, a promoção de ações educativas permanentes para a sociedade.

 

Procedimentos do Serviço Especializado de Abordagem Social

 

  • Mapear o território com vistas à elaboração de diagnóstico sócio territorial, sinalizando sobre a identificação de cenas de uso de drogas, exploração sexual infanto juvenil, trabalho infantil, dentre outras violações de direitos;
  • Acionar os órgãos do Sistema de Garantia de Direitos, em caso de identificação de situações graves que demandem ações em conjunto, visando discutir a melhor forma de atuação, previamente à realização da ação de abordagem;
  • Realizar abordagem continuada, programada e permanente, visando estabelecer uma escuta ativa, que favoreça o fortalecimento de vínculos para conhecer a pessoa em suas peculiaridades e história de vida, priorizando os casos envolvendo crianças, adolescentes, idosos e pessoas com deficiência;
  • Sensibilizar a população em situação de rua para a adesão às ofertas dos serviços socioassistenciais. Orientá-las sobre os riscos de permanência nas ruas. E realizar os devidos encaminhamentos para a Rede Socioassistencial, a partir do aceite do usuário;
  • Ofertar acolhimento como medida protetiva excepcional e provisória, em consonância com as normas vigentes;
  • Proceder aos encaminhamentos monitorados a partir da consolidação da referência e contrarreferência dos usuários junto ao território;
  • Solicitar o Serviço de Atendimento Móvel de Urgência – SAMU nos casos de emergência;
  • Direcionar os casos de necessidade de atendimento de urgência de saúde às unidades de atendimento de saúde no território da abordagem, de acordo com a demanda do usuário;
  • Produzir acesso aos dispositivos de cuidado em saúde, reduzindo as dificuldades de acesso, provendo integração entre os sujeitos que vivem na rua e os demais componentes do Sistema Único de Saúde (Programa Médico de Família – PMF, Centro de Atenção Psicossocial – CAPS, Consultório na Rua, Policlínicas, Ambulatórios ampliados de Saúde Mental, Hospitais e Serviços de Assistência Médica de Urgência – SAMU);
  • Acionar o Conselho Tutelar, quando verificada necessidade da aplicação de medidas protetivas. Facultando-se, entretanto, o acolhimento emergencial, quando inviabilizada a atuação desse órgão. Neste caso, deverá ser observado o artigo 93 do Estatuto da Criança e do Adolescente;
  • Encaminhar obrigatoriamente a todos, em caso de ausência de documento que comprove o vínculo familiar entre a criança ou o adolescente e o terceiro que o acompanha, ao Conselho Tutelar do território para as providências cabíveis;
  • Realizar o Cadastro Único do Governo Federal e/ou o encaminhamento às demais políticas públicas a esta população e considerar que se trata de ferramenta fundamental ao acompanhamento da população, buscando qualificar o acompanhamento socioassistencial;
  • Registrar diariamente em banco de dados todas as informações contidas na ficha de abordagem, sistematizando mensalmente as informações, conforme instrumento específico da SMASES;
  • Registrar no banco de dados habitacional do município os casos em que a situação de rua decorre de falta de moradia adequada;
  • Articular e acionar os recursos necessários ao atendimento da população em situação de rua, através da interlocução com a rede socioassistencial;
  • Proceder com o encaminhamento para os órgãos competentes nos casos de ausência de documentação dos usuários, com vistas à retirada de documentos ou 2ª via;
  • Informar sobre as consequências legais da situação na abordagem às famílias em situação de violação de direitos.  E encaminhar relatório ao conselho tutelar da área de abrangência para providências cabíveis;
  • Realizar a identificação profissional e esclarecer o objetivo da ação e os serviços ofertados ao abordar os usuários;
  • Avaliar a continuidade da ação de abordagem. E, se for o caso, solicitar imediato apoio policial, em caso de tentativa de agressão ou risco iminente à equipe ou demais pessoas;
  • Direcionar a pessoa em situação de rua para ao programa habitacional adequado.

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