Um relatório da Defensoria Pública de São Paulo revela um cenário preocupante: prisões ilegais durante o período de saidinhas do sistema carcerário, no mês de março, em municípios paulistas.
A análise de 157 detenções durante a primeira saída temporária do ano no estado aponta que a maioria dos alvos era negra. Assim, os agentes responsáveis pelas prisões frequentemente se mantinham anônimos nos registros das ocorrências.
O documento, baseado no sistema de Gestão Penitenciária (Gepen), indica que 72% das pessoas presas entre os dias 12 e 18 de março eram negras (pretas ou pardas), enquanto 28% eram brancas. Não houve registro de presos amarelos ou indígenas.
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A Defensoria Pública explica no relatório que as prisões ocorreram sob a alegação de descumprimento das regras da saidinha. Assim, servindo de pretexto para encaminhar os detentos a um distrito policial e, posteriormente, a uma audiência de custódia. Em diversas ocasiões, essas prisões aconteceram “sem ordem judicial e fora de flagrante delito”, ressalta o órgão.
Outro ponto preocupante é a falta de identificação completa dos policiais responsáveis pelas prisões. Em 85,3% dos boletins de ocorrência da Polícia Militar, utilizados como base para as audiências de custódia na capital, os nomes dos agentes foram substituídos por “nomes de guerra”. Essa falta de precisão, segundo a Defensoria Pública, impede a apuração das circunstâncias da prisão e a eventual responsabilização em casos de violência policial.
“A verificação da regularidade dessas prisões pelo Judiciário fica prejudicada em tais condições, pois dificulta a realização do controle da atividade policial”, acrescenta o relatório.
Ainda segundo o documento, em quase dois terços (61,7%) das prisões, a justificativa foi o ultrapassamento do limite de tempo. Assim, demorando para retorno ao local de permanência. Ou seja, os detentos foram presos por estarem em via pública entre 19h e 6h.
“Algumas pessoas foram presas dentro da sua própria residência”, observa a Defensoria Pública.
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Em 30% dos casos analisados, não foi sequer mencionado o motivo da abordagem policial. Essa ausência, por si só, já evidenciaria o caráter ilegal das prisões, segundo o relatório.
Em 12% das prisões, a justificativa foi a presença em locais proibidos pela Portaria Conjunta nº 02/2019, que impede a frequência a bares, casas noturnas, casas de jogos e de prostituição. Na prática, grande parte dessas pessoas foi presa por estar no centro de São Paulo, local considerado pelos policiais como cena de uso aberto de drogas.
“O centro da cidade não se enquadra como local proibido”, ressalta o relatório. “A prisão dessas pessoas pode demonstrar discriminação com o local que trabalham ou frequentam, não se podendo excluir a hipótese de que residam naquele local ou mesmo que tenham ido visitar parentes ou amigos na região, o que é um dos objetivos da saidinha temporária”, acrescenta.
Enfim, a Polícia Militar foi a responsável pela maior parte das prisões analisadas, com 91% dos casos. Assim, a Guarda Civil Metropolitana (GCM) respondeu por 9,8% das detenções. Houve também um caso realizado por um agente penitenciário, mas sem detalhes suficientes no boletim de ocorrência para se compreender as circunstâncias da prisão.