O mundo do carnaval cantou e fez do samba sua prece para se despedir de uma das personalidades mais queridas de todos os tempos: o compositor e dirigente carnavalesco José Glória da Silva Filho. Ele morreu neste sábado (18), aos 72 anos. Ex-presidente do Sereno de Campo Grande, Zé Glória já ocupou cargos importantes na Viradouro e também na Mocidade Independente de Padre Miguel.
Como compositor, trata-se de um vitorioso. Considerando apenas vitórias em escolas de samba do grupo especial, Zé Glória venceu por quatro vezes na Mocidade Independente de Padre Miguel. Sua última vitória na sua escola de coração, em 2017, deu à Mocidade o título de campeã, após um jejum de 21 anos.
Na Série Ouro (Grupo de Acesso), foi campeão em todos os anos da década passada, exceto 2019 quando venceu na Imperadores Rubro-Negros, do Grupo E. Por Niterói, venceu quatro vezes na Viradouro (2013/2014/2016/ 2018), assim como uma vez na Cubango (2011). Também assina os sambas das agremiações Santa Cruz (2015/2016/2017), Império Serrano (2016/ 2017) Inocentes de Belford Roxo (2012).
Em 2016, recebeu uma bela homenagem da Unidos de Cosmos, que transformou sua vida no enredo “Sob o brilho da estrela, a glória do compositor!”
Do berço ao estrelato
Zé Glória nasceu em 4 de outubro de 1952, com dois talentos raros: primeiramente, vocação empreendedora para o trabalho. Além disso, com o forte dom do Deus Apolo para a música, em especial, o de compor sambas-enredo.
A vontade de se tornar vitorioso em ambas virtudes começou cedo, ainda em seus tempos de menino, em Campo Grande, na Zona Oeste carioca. De origem humilde, trabalhava entregando encomendas para sua mãe. Geralmente, roupas que Dona Araci lavava para o sustento de Zé Glória, o quinto de seus oito filhos.
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Já acostumado com a labuta – e também a brigar na rua, o que lhe rendeu o apelido de Catitu (Katytw – no jeito que ele gostava de escrever) – Zé Glória começou a trabalhar fora de casa. Ao mesmo tempo, também começou a compor. Na escola, venceu um concurso de poesia e percebeu que seu futuro estaria garantido com uma qualidade que o acompanhou sempre: a perseverança.
Ainda na adolescência, ingressa no mundo carnavalesco, através dos blocos Xavantes do Tingui, Filhos da Pauta e União da Ponte. Porém, é na escola de Samba Sereno de Campo Grande que ele entra na órbita da estrela-guia de Padre Miguel.
Ergueu sua bandeira e plantou sua raiz
Se no mundo do samba tudo estava dando certo para Zé Glória, a vida não fez diferente com ele no mundo profissional. Como empregado no setor industrial, Zé procurou absorver o máximo de conhecimento possível para poder comandar seu próprio negócio. E por que não? Assim, aprendeu como as empresas se tornavam grandes e o modo de ganhar os bons contratos.
Como num daqueles enredos que transformam plebeus em reis, Zé Glória foi de empregado a patrão. Estruturou-se para fornecer serviços de solda, usinagem em geral, pintura industrial, sobretudo onde ele sabia que existia demanda, mas faltava mão-de-obra especializada.
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Empreendeu em outras áreas, como no setor de transportes de carga por caminhão. Mas qualquer tempo que lhe sobrasse, além da família, dedicava ao samba. Não há uma quadra de escola de samba qualquer que Zé Glória jamais tenha pisado e deixado sua marca de humildade e amor. Pra ele, o samba agregava. E parafraseando a Rapsódia da Saudade, a ele digo, na certeza de que quem o conheceu também endossa: Tua magia nos envolve a alma / Tua sutileza nos seduz / Pois emanas a luz / Que enebria e acalma.
Um eterno parceiro
Nos preparativos para o carnaval de 2005, conheci Zé Gloria. Eu era presidente da Ala de Compositores da Mocidade Independente do Cafubá, na Região Oceânica de Niterói. Ele chegou na agremiação Acompanhado de um outro amigo, Inácio Rios, para a disputa do samba-enredo para o carnaval de 2006. Não venceram, apesar de terem chegado à final Tivemos o mesmo infortúnio, pois também cheguei a final e perdi, logo no primeiro trabalho que fiz com um irmão que a vida me deu, o também jornalista Sérgio Soares.
Em 2006, passado o carnaval, Serginho (Soares) me procurou com a proposta de fecharmos uma grande parceria para a Viradouro (Vira o Jogo, 2007). Inicialmente, nos reunimos com o Zé Katimba. Ali, estabelecemos como faríamos o trabalho e outros detalhes para a disputa. Até então, éramos três. Mas o Katimba nos propôs o quarto nome: o do Zé Glória.
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Considerando que eu já o conhecia, aceitei de imediato. Em nossa primeira reunião, logo percebi, em suas intervenções, que sua maior preocupação era com a melodia. Era difícil mudar um verso se a melodia tivesse que mudar junto. Ele se preocupava em enriquecer o simples, pois o samba dependia do canto do componente. Então, como não concordar com ele? Ele sempre insistiu que o povo cantava e até hoje canta notas musicais e não as letras.
Como o Inácio Rios havia participado da feitura, insistimos para que ele assinasse o samba. Então, já tínhamos samba pronto e parceria fechada (naquela época eu ainda assinava André Luís) e a estrutura econômica definida. Ressalto que a feitura fluiu como se todos fossemos parceiros há décadas. Fomos finalistas, mas não vencemos. Entretanto, a amizade permaneceu e permanece viva, mesmo com sua morte física.
O protetor da minha Viradouro
E posso dizer que, através de mim e de Serginho Soares, Zé Glória ingressou na Viradouro. Para a nossa sorte e da escola, pois ninguém naquele momento imaginaria o quanto Zé Glória viria se tornar importante para que a agremiação permanecesse de pé em seus tempos mais difíceis, principalmente entre 2011 e 2016.
O porta-voz da alegria e da paz
Em 2007, a meu convite, Zé Glória se incorporou a equipe de carnaval liderada por meu pai, Paulo Freitas, na Rádio Campos Difusora, na função de comentarista. Nós transmitíamos os desfiles das escolas de samba, direto da Sapucaí para todo Norte/Noroeste do RJ, como também para o Sul do Espírito Santo.
Ele ocupou esse posto até 2010. No carnaval de 2011, com a migração da equipe para a Rádio Absoluta, já sob minha direção, Zé Glória veio conosco e sua presença naquele primeiro ano de troca de emissora foi de fundamental importância, sobretudo na captação de patrocinadores. Ficou na equipe até o carnaval de 2022, o último que fizemos.
Por muitas vezes, Zé esteve ao meu lado em momentos difíceis. Também posso dizer que estive com ele em situações turbulentas por ele enfrentadas. Dói escrever sobre a partida física de um amigo. Machuca porque o nosso olhar de amigo, de parceiro, de camaradagem não consegue apenas escrever o trivial. Porque, simplesmente, estou falando de uma pessoa que merecia de mim homenagem muito maior do que este singelo texto.
Morreu o corpo, mas ficou o sorriso de quem tira o chapéu e rodopia ele sobre a cabeça, numa dança que só ele sabe os passos.
Ô, meu amigo… tu deixas muitos órfãos, pois quem te conhece sabe quantos “afilhados” o mundo do samba te deu. Um deles, Luizinho Andanças, acaba de ir contigo. Se Deus me der forças de estar no Sambódromo esse ano, vou olhar para o céu e ver você, ao lado de outros astros, irradiando mais fulgor.
Zé, você realmente sempre teve muita Glória. E agora vai, caminhando pelo tempo, em busca de outros bambas. Afinal, amigo é pra se guardar dentro do peito, do lado esquerdo… no coração.
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