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Niterói aposta em Recomeço com dignidade para remover população das ruas

Niterói aposta em Recomeço com dignidade para remover população das ruas

Niterói aposta em Recomeço com dignidade para remover população das ruas

Um projeto que leva o nome de “Recomeço” terá lançamento em Niterói nesta terça-feira (26) através de uma importante iniciativa pública que deve tratar, sobretudo, das questões relacionadas à população em situação de rua. Nesse sentido, haverá a implantação de uma frente intersetorial que pretende transformar as trajetórias das pessoas desabitadas e desempregadas, bem como em estado de drogadição ou adoentadas.

A inauguração de um Centro Integrado, no Centro da cidade, dará início a reinserção das pessoas na vida comum, a que todos tem direito.  Assim sendo, serviços públicos de Assistência Social, Saúde, Habitação, Educação, Qualificação e Inclusão Produtiva atuarão em conjunto.

A proposta, que nos traz esperança de solucionar essa enfermidade social, aposta em mecanismos que, na verdade, se tratam de princípios e preceitos constitucionais. Por exemplo, a resolução de questões como habitação, saúde, documentação, renda e mediação com a Justiça. A diferença, para o caso concreto que não só Niterói vive, mas também o Estado do Rio de Janeiro, está na aplicação de todas essas medidas em conjunto.

Em 16 de abril deste ano, o prefeito Rodrigo Neves sancionou a Política Municipal de Acolhimento Humanizado e Assistência Integral. A lei define diretrizes para o atendimento de pessoas em uso abusivo de álcool, drogas ou com transtornos mentais e reforça a assistência à população em situação de rua. Com a medida, a cidade busca consolidar uma abordagem centrada em direitos humanos e reinserção social.

População de Rua aumenta no Brasil e no RJ

Em dezembro do ano passado, o número de pessoas em situação de rua no Brasil atingiu 327.925. Esse dado representa um aumento de 25% em relação ao ano anterior. O Rio de Janeiro é o segundo estado com o maior número de pessoas em situação de rua, com 30.801. Esses números são do Observatório Brasileiro de Políticas Públicas com a População em Situação de Rua, da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG).

Diante de tais dados, torna-se evidente que, sem esforços públicos e da sociedade em geral, a situação tende a se agravar a cada dia.

“Ainda é necessário que toda a sociedade faça esse movimento de olhar para essas pessoas para resgatá-las. É preciso ter um engajamento dos outros poderes e da sociedade civil para efetivar uma melhoria na qualidade de vida delas, para que saiam da invisibilidade social”, pondera a magistrada Lysia Mesquita titular da 1ª Vara da Infância, da Juventude e do Idoso da Capital.

Para os “achistas” e demais pessoas que manifestam pensamento sem fundamento ou argumento científico, a medida até pode parecer simples. Contudo, se assim fosse, o desafio não seria tão grande e pesado. Afinal, estamos tratando de tirar pessoas da invisibilidade. Em suma, isso envolve a reconstrução de vínculos, que não passam pelas soluções de varredura ou remoções forçadas.

Vale destacar, quanto a isso, o Supremo Tribunal Federal (STF) se posicionou de forma contundente. Vedou qualquer iniciativa que implicasse na retirada compulsória de pessoas das ruas. Igualmente, no que se refere ao recolhimento de pertences. Mesmo atacada, a Corte se manteve firme nessa decisão.

O que muda com o Centro Integrado

O equipamento reúne alimentação, atendimento de saúde, emissão de documentos, assessoria jurídica, lavanderia e guarda-volumes para pessoas em situação de vulnerabilidade. Como exemplo concreto, o local terá apoio específico a catadores de recicláveis, com área para carroças. 

Por iniciativa do TJRJ, Cipop já funciona no Rio de Janeiro atendendo população em situação de Rua | Bruno Dantas/TJRJ

Por iniciativa do TJRJ, Cipop já funciona no Rio de Janeiro atendendo população em situação de Rua | Bruno Dantas/TJRJ

O desenho do CIPOP,  se articula em parceria com o TJ-RJ, que já atua com modelo semelhante na capital. Agora, o serviço chegará a Niterói para rever documentação de identidade e outros da vida civil. Do mesmo modo, para realizar conciliações, atender demandas trabalhistas e dar acesso a benefícios.

Em Niterói, até então, equipes da Assistência Social percorrem todas as noites os bairros de Niterói para oferecer acolhimento à população em situação de rua. Atualmente, a rede municipal dispõe de 350 vagas em abrigos para homens, mulheres, crianças e famílias.

Durante as abordagens, técnicos realizam cadastros, providenciam emissão de documentos, oferecem atendimento médico e encaminham para cursos e programas sociais. Quem aceita o acolhimento é direcionado para unidades que garantem dormitórios, quatro refeições diárias, acompanhamento psicossocial e apoio para reinserção social.

Habitação primeiro, não por último

O plano adota o Housing First, com 100 moradias previstas e atendimento imediato para 30 famílias, além de portas de entrada em programas habitacionais da cidade. Moradia estável vem antes, não depois, como a prática já testada em outras praças.

No município, o Folha do Leste tem mostrado o reforço de acolhimento diário com abrigo, refeições e equipes de redução de danos, enquanto cursos e ações educacionais para esse público começam a ganhar corpo.

Retrato e prioridade

O diagnóstico municipal que embasa o Recomeço aponta: 76% dos atendidos são homens; 55% têm 30 a 49 anos; e 61,2% dizem que trabalho é o primeiro passo para sair da rua. A política combina ações emergenciais com acompanhamento continuado e cria um Centro Terapêutico para quem está em uso nocivo de álcool e outras drogas.

Higienismo: tolerância tem que ser zero

As abordagens que tratam pessoas como obstáculo urbano não resistem ao crivo constitucional e têm eficácia curta. O programa reafirma que política pública não é varrição.

Fica um registro de comentário que sintetiza parte dessa visão higienista externada por alguns, mas discutida em ambientes mais restrito por outros:

“A população dá comida e roupa, eles então permanecem. Poder público tem que resgatar da rua de forma involuntária, tratar dando condições de inserir no mercado de trabalho”, disse Laura Gonçalves, numa rede social oficial da Prefeitura de Niterói.

O Recomeço só conseguirá dar um passo se caminhar no sentido inverso: foco na busca ativa, conquista de confiança, direitos e metas claras. Até porque, intervir na liberdade de escolha de quem é livre, constitui crime.

Como medir o resultado

Indicadores serão cruciais: pessoas documentadas, vagas de trabalho efetivas, prazo médio de permanência em moradia, encaminhamentos de saúde e redução de reincidência de rua.

Pessoa com deficiência consultando vaga de emprego no Caminho Niemeyer, durante feira de inclusão em Niterói

Emprego: uma porta de saída das ruas para 62% das pessoas nessa situação | Marcello Casal Jr/Agência Brasil

A cidade já tem operações de ordenamento e segurança, como a Donos da Rua. O sucesso do Recomeço se medirá na porta de saída da rua, e não na porta de entrada das delegacias.

O pano de fundo que Niterói já debateu

Desde 2023, o Folha do Leste aborda o tema falando sobre a urgência de sua discussão de forma aprofundada, com a devida seriedade. Tanto que registramos reuniões do Conselho de Segurança.

No período eleitoral, realizamos sabatinas eleitorais onde a deputada federal Talíria Petrone (PSOL) se manifestou contra a internação compulsória Aliás, a internação compulsória também esteve preente em outros debates, com outros candidatos à Prefeitura de Niterói favoráveis ao tema, que se tornou tema recorrente, no período eleitoral.

As reportagens lembram que a legislação não permite acolhimento à força, e especialistas criticaram soluções simplistas. O debate sempre existiu, mas com a régua legal e a diretriz humanitária valendo.

Mesmo assim, houve um grande desperdício de energia ao longo do ano eleitoral de 2024 para o debate dessa agenda, conforme a lei. Pelo contrário, o que vimos foram tentativas de criar leis para atender a necessidade higienista de algumas pessoas. Primordialmente, daquelas que não conseguem conviver confrontadas por essa realidade, fruto tão somente da desigualdade social.

Insegurança Pública em Niterói

Ao longo do tempo em que a sensação de insegurança na cidade aumentou por conta de crimes cometidos por pessoas em situação de rua, o debate da mazela ficou vinculado apenas a questões de segurança pública. Isso somente serviu para atrasar o diagnóstico, pois não havia e nem há bala de prata para solucionar esse desafio.

O radicalismo que se criou no contexto desse debate não dava vez às vozes moderadas. Exigia-se, de um lado, uma tolerância incompreensível da situação enquanto problema estrutural. Em contrapartida, havia a pressão daqueles que desejavam, a qualquer custo, remoção dos indesejáveis das ruas. Ou seja, não havia meio.

Torcemos pela eficácia

Nós, enquanto veículo de comunicação, noticiamos os fatos, a cada crime cometido por pessoa em situação de rua. Pois do mesmo modo que entendemos que viver na rua constitui gravíssima indignidade, JAMAIS endossamos que a vulnerabilidade como forma de salvo-conduto para o cometimento de crimes de qualquer natureza.

Além disso, demos voz a várias correntes de pensamento. Até mesmo àquelas muito divergente de nossas posições editoriais.

Acompanhamos a classe empresarial pressionar os poderes municipais por uma solução. De igual modo vimos a maior parte da população de classe média alta, moradora de bairros mais nobres fazer o mesmo. A cada caso de crime cometido por pessoa em situação de rua, a culpa da conduta delinquente recaía apenas sobre a administração municipal. Em muitas das vezes, excedendo o tom da crítica e quase que atribuindo ao município o crime do qual ele também era vítima.

Não que a Prefeitura de Niterói — até mesmo por sua proatividade na segurança pública — não tivesse sua parcela de responsabilidade na garantia da incolumidade. Mas a politização ideológica afastou a cidade da construção de soluções.

Desse modo, criou-se um ambiente que tornou o diálogo construtivo impossível para a construção de pontes e viabilização de soluções. Até porque  movimentos sociais, de direitos humanos e valorização da vida, e até mesmo de ordem religiosa atuavam em direção oposta. Tal qual os partidos de esquerda, com representação na Câmara Municipal e até mesmo aqueles que não tinham representantes.

Enfim, tudo em termos propositivos, não apontava caminho algum que pudesse resultar na construção de uma solução eficaz.

Agora, ao menos, estamos distantes do período de eleições municipais. Há uma nova gestão pública no Poder Executivo, mesmo com a manutenção do mesmo grupo político. Também, há um novo corpo de vereadores. Então, resta-nos torcer — e cobrar — pela eficácia que tanto falamos. Por fim, iniciar uma nova fase de registros de fatos e acontecimentos relacionados a essa questão.

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