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Niterói: Homicídio do amante gay; advogados e psicóloga opinam

Um homicídio ocorrido em Niterói trouxe à tona uma situação mais comum do que se imagina: a infidelidade masculina em matrimônios heterossexuais, com outros homens gays. Ou seja, homens que traem suas mulheres com outros homens. Tratam-se de homens que lutam, sobretudo, para manter sua reputação masculina heterossexual. Mas que, contudo, na clandestinidade, sentem atração por outros homens.

Assim sendo, chegam a manter relacionamentos extraconjugais homossexuais. Ou, alternativamente, saem com garotos de programa ou procuram parceiros “discretos”, de preferência, na mesma situação.

Todavia, muitas esposas sequer chegam a desconfiar do comportamento de seus maridos. Afinal, muitos fazem de tudo para manter a situação sob sigilo. Em suma, tomam, muito mais cuidado em esconder uma relação de infidelidade gay do que teriam caso a infidelidade ocorresse com uma outra mulher. Enfrentam o medo de perder o que se pode chamar de reputação masculina heterossexual.

As considerações iniciais desta reportagem se baseiam em depoimentos coletados em diversos sites de discussões sobre o assunto, com fóruns de mútua-ajuda. Pessoas tentando ajudar outras pessoas em seus dilemas. Para que não cheguem ao ponto, por exemplo, de mandar matar o parceiro. Do mesmo modo que o empresário Cláudio Rodrigues de Oliveira Bastos teria feito com Yohan Tairik Guimarães Costa.

De acordo com as investigações da polícia, Bastos teria atraído Costa para uma emboscada mortal. E tal crime teria como motivo a ameaça feita por Yohan Costa de tornar público o relacionamento extraconjugal mantido pelos dois.

À luz da psicologia

Segundo a psicóloga Olga Tessari, em artigo exclusivo para o FOLHA DO LESTE sobre este caso, uma pessoa vivendo sob ameaças e pressões costuma apresentar um quadro de ansiedade elevada.

Psicóloga (CRP06/19571), formada pela Universidade de São Paulo (USP), pesquisa e atua com novas abordagens da Psicologia Clínica, em busca de resultados rápidos, efetivos e eficazes, voltados para uma vida plena e feliz. Ama o que faz e segue estudando muito, com várias especializações na área. Consultora em Gestão Emocional e Comportamental, também atua levando saúde emocional para as empresas. Escritora, autora de 2 livros e coautora de muitos outros. Realiza cursos, palestras e workshops pelo Brasil inteiro e segue atendendo em seu consultório ou online adolescentes, adultos, pais, casais, idosos e famílias inteiras que buscam, junto com ela, caminhos para serem felizes!

“Isso a impede de raciocinar de forma adequada para tomar decisões porque sua mente é tomada por pensamentos negativos o tempo todo, o que a faz enxergar somente o pior dos cenários para a sua vida, caso sua relação extraconjugal seja revelada”, considera.

Sobre o homicídio, Olga é taxativa:

“Não temos o direito de tirar a vida de ninguém, essa é a verdade! Tomar a decisão radical e extremada de acabar com a vida do parceiro que o fazia feliz de alguma forma só revela o extremo desespero de que seu caso extraconjugal viesse à tona, embora seja possível enxergar muitas outras formas de evitar que o caso se tornasse público. Mas o medo das consequências dessa revelação falou mais alto, porque, infelizmente, ainda vivemos em uma sociedade hipócrita que não consegue conceber que todos somos seres humanos e temos o direito de sermos felizes, cada um à sua maneira! Não cabe a ninguém julgar ou condenar a vida afetiva de alguém e as escolhas que cada um faz para si”, pondera.

 

Universo jurídico

Conversamos, ainda, com dois advogados, sobre as consequências jurídicas que tanto o crime, especificamente, quanto situações semelhantes, podem causar na vida das pessoas.

Dessa forma, fizemos perguntas comuns aos doutores Anderson Cruz, especialista em Direito Civil e Patrimonial, além de ativista social e ambiental; e Gustavo Lima, criminalista.

 

Como fica a situação das esposas que foram enganadas pelos maridos? A que elas têm direito?

 

ANDERSON CRUZ

Inicialmente, a luz do direito civil, de forma objetiva até o presente momento. Uma das esposas continua casada com o homem suposto executor do crime e a outra esposa é viúva, devido ao falecimento de seu marido.

Assim considerando em que ambos os casamentos tenham sido devidamente celebrados conforme a lei regente em nosso país.

Em uma análise, num primeiro momento, a esposa do suposto executor do crime, resta-lhe as seguintes alternativas: manter-se casada ou pedir o divórcio, caso não consiga conviver com o marido.

A viúva, no caso do outro casamento em questão, cabe, se for o caso, havendo patrimônio em comum com seu marido falecido, conforme o regime de casamento, proceder a abertura de inventário para fazer a partilha dos bens, se houver. A responsabilização civil só é válida em situações vexatórias de humilhação ou ridicularização da vítima, tem que se comprovar objetivamente no caso concreto”.

 

GUSTAVO LIMA

O casamento, como regra, tem o dever de fidelidade. O cônjuge, independente do sexo, que desrespeita esse dever pode ser condenado a pagar indenização por danos morais à pessoa traída. Além disso, o cônjuge que trai não pode receber prestação de alimentos (pensão) em caso de divórcio”.

 

Quais orientações podem ser dadas a mulheres que se encontram em situação semelhante de infidelidade?

 

ANDERSON CRUZ

Depende de cada situação em particular. Pois as pessoas hoje tem maneiras civilizadas de tratar do assunto, tendo em vista em que há muito preconceito sobre os relacionamentos homoafetivos”.

Inicialmente, cabe uma conversa com o casal para saber se ainda há a possibilidade de convivência. Caso não seja possível, consultar um advogado e se não tiver alternativas, o melhor caminho é o divórcio. Deve ter em mente que cada caso é um caso e bastante gente não aceita essa questão com facilidade”.

 

GUSTAVO LIMA

Eu oriento calma. O Direito de Família tem um fator complicador que é o fato de que envolve muitos sentimentos, expectativas e às vezes frustrações, também costuma envolver filhos menores que são muito afetados.

O conselho é colocar a cabeça no lugar, decidir com calma o que quer fazer e se a opção for pelo divórcio e por buscar indenização por danos morais, procurar um advogado de confiança para lhe auxiliar”.

 

Existe diferença entre a traição heterossexual e a traição homossexual?

 

ANDERSON CRUZ

Cabe dizer, inicialmente, que o termo mais adequado juridicamente é adultério, quando existe uma relação de casamento. Em via de regra, não há diferença. Se considerar que todos são iguais perante a lei, conforme determina a constituição federal.

A relação homoafetiva não afeta o regime de bens nem afasta o direito do infiel à partilha do que foi adquirido pelo casal (homem e mulher) durante a constância da união”.

 

GUSTAVO LIMA

A lei não diferencia, o que pode haver é, no contexto da traição, o trauma causado à pessoa traída ser maior ou menor, mas tudo vai depender do contexto”.

A família do homem morto tem direito de pleitear indenização por sua morte?

 

ANDERSON CRUZ

O sofrimento, a dor e o trauma provocados pela morte de um ente querido podem gerar o dever de indenizar. Assim tem entendido o Superior Tribunal de Justiça (STJ) ao julgar pedidos de reparação feitos por parentes ou pessoas que mantenham fortes vínculos afetivos com a vítima”.

 

GUSTAVO LIMA

Toda vítima de crime tem esse direito. Infelizmente não é comum buscarem isso, às vezes por desconhecimento ou por estarem abalados psicologicamente. Na própria sentença que condena a pessoa pelo crime, já pode constar valores a serem pagos à vítima. Quando isso não acontece é necessário ingressar com um processo civil para apurar o valor da indenização e cobrar esse valor”.

 

Nos casos de relacionamento consentido pelo conjunge, havendo arrependimento de uma das partes, caso a outra parte continue mantendo relações fora do casamento, o que é cabível?

 

ANDERSON CRUZ

De pronto, não se vislumbra a possibilidade jurídica, pois a legislação civil brasileira não trata desta faculdade de decisão de uma das partes. Portanto, caso a outra parte não esteja cumprindo o combinado melhor conversar. Do ponto de vista formal, alguns colegas de advogados poderão alegar adultério para se justificar o divórcio.

Antes de haver qualquer situação como essa, pensar bem antes”

GUSTAVO LIMA

As mesmas da traição. Porém, uma eventual indenização pode ser diminuída a depender do entendimento do juiz.

 

Como o direito se equilibra com os novos comportamentos sexuais dos brasileiros?

 

ANDERSON CRUZ

O direito como objeto de estudo da ciência jurídica, enquanto evolução legislativa é bastante lento. Pois essas questões ao se perceber no código civil não são previstas. É aí que entra o entendimento dos tribunais buscando essa adequação ao tempo e espaço social, criando assim a jurisprudência.

Temos que também observar com a devida proporção que a sociedade brasileira tem uma tendência a ser mais conservadora neste aspecto, que torna a mudança da legislação ainda mais lenta”.

 

GUSTAVO LIMA

De maneira geral a sociedade muda e o direito “corre atrás”. Então existem casos que ainda não estão bem definidos pelo direito brasileiro, como relacionamentos não-monogâmicos, uniões estáveis entre mais de duas pessoas, como “trisal” e outros arranjos.

Mas a Constituição de pauta em princípios de não discriminação e o Direito Civil (onde se inclui o direito das famílias) segue essa linha de não discriminação e autonomia da vontade. Portanto, ainda que não haja previsão específica para alguns formatos mais modernos, o direito dá princípios e diretrizes gerais para que se possa extrair uma resposta jurídica adequada às pessoas que escolhem viver um relacionamento um pouco diferente do padrão”

Os comentários e demais repercussões pejorativas sobre o caso podem dar as partes – até mesmo ao mandante do crime – o direito de indenização?

 

ANDERSON CRUZ

Quanto ao eventual mandante do crime é uma situação bem difícil, pois o evento danoso, possivelmente surgiu por causa da relação homoafetiva. O que ele alegaria? É de se pensar. Porém há limites tanto pela imprensa a fazer a cobertura jornalística e a convivência na comunidade onde essas pessoas estão envolvidas para não extrapolar e ofender a honra e a dignidade das possíveis vítimas, e isso acontecendo e sendo determinável a identificação, cabe a possibilidade de ação indenizatória.

Nosso Código Civil reza que a honra, a imagem e a intimidade são direitos intrínsecos à personalidade de um indivíduo, o que exige um olhar especial sobre si pela proteção constitucional, conforme segue: Art. 5º. (…) X – “são invioláveis a intimidade, a vida privada, a honra e a imagem das pessoas, assegurado o direito a indenização pelo dano material ou moral decorrente de sua violação”. Dessa forma, trespassar esses direitos dá ao prejudicado o direito de resposta (artigo 5º, inciso V, da Constituição Federal), “além de justa indenização pelos danos materiais e morais que tenha sofrido. Isso ocorre, uma vez que, os direitos da personalidade são os que resguardam a dignidade da pessoa humana”, até os presos e criminosos têm esses direitos, embora muitos discordem”.

 

GUSTAVO LIMA

Tudo está muito recente. A pessoa apontada como mandante do crime pode, até mesmo, ao final do processo ser absolvida.

Por isso é preciso ter bastante parcimônia a comentar esse tipo de situação, inclusive cuidado redobrado como acusações e ‘brincadeiras’. Então sim, a depender do que for dito, onde foi dito, e a depender do rumo das investigações e do processo, pode haver condenações em favor da vítima e até daquele que, no momento, é apontado como mandante”.

 

Como distinguir a reprovação da conduta dos amantes em relação homoafetiva da homofobia?

 

ANDERSON CRUZ

Destaco que a homofobia é crime e ponto. Para além da mera hostilidade verbal, pessoas homossexuais e transexuais correm risco de terem sua integridade física atacada, por conta de sua orientação sexual. A homofobia pode ser definida como “uma aversão irreprimível, repugnância, medo, ódio, preconceito que algumas pessoas nutrem contra os homossexuais, lésbicas, bissexuais e transexuais, também conhecidos como grupos LGBT.

Agora é esse um ponto.

Não adianta atribuir falsamente a alegação de que somente homossexuais que traem. Por favor, não tenhamos uma visão distorcida dos fatos.

Sobre o falatório, infelizmente vai haver. Terá comentários. Não existe controle sobre a língua humana e o que as pessoas falem. Porém, as pessoas devem estar cientes de suas responsabilidades e, principalmente, sobre as consequências.

 

GUSTAVO LIMA

Todo assunto que envolve preconceito – de qualquer tipo – se torna complicado, uma vez que em casos de pessoas homoafetivas a discriminação geralmente está intrínseca na conduta, e não conhecemos o íntimo da pessoa para saber com 100% de certeza sua real intenção.

O caso mostra, a princípio, amantes em que um ameaça expor o segredo comum entre eles a terceiros. Em uma relação heterossexual seria possível acontecer a mesma coisa.

O que se nota de maneira geral, é que não dá para distinguir perfeitamente, porque uma permeia a outra.

 

 

É possível ao mandante do crime a arguição de homicídio privilegiado, em uma eventual justificativa da motivação do crime ter fundamento em relevante valor social ou moral?

 

ANDERSON CRUZ

É possível defender essa tese, pois são três circunstâncias em que o crime de homicídio pode ser considerado privilegiado: Quando o crime ocorre por relevante valor moral; por relevante valor social; sob domínio de violenta emoção e logo após injusta agressão da vítima, que neste momento, não se verifica.

Por relevante valor moral: Nesta primeira hipótese, quando falamos em moral, estamos falando de uma questão pessoal do indivíduo.

E por relevante valor social.  Enquanto na primeira hipótese, a causa do crime está ligada a um fator pessoal do agente, ou seja, é uma questão individual, aqui, no caso de um relevante valor social, trata-se de um fator coletivo, é algo que diz respeito aos interesses de toda coletividade.

Ambas são para atender a diminuição de pena.

Não vislumbro essa possibilidade. Creio que no curso da investigação criminal até o oferecimento da denúncia pelo MP ao Tribunal do Júri, seja o acusado por homicídio qualificado. Ele envolve a morte de uma pessoa com a presença de circunstâncias que aumentam a gravidade do crime, como o uso de meio cruel, a motivação torpe ou fútil, entre outras, no mínimo”.

 

GUSTAVO LIMA

A defesa dele terá liberdade de alegar o que entender cabível. Mas não vejo chance de sucesso nessa tese. A uma porque relevante valor social ou moral, no meu entender, não abarca se tratar de esconder ato ilícito próprio. Segundo porque não acho que o judiciário será capaz de considerar esconder traição como ‘valor moral’. Não acredito que a defesa irá por esse caminho. Provavelmente alegarão que trata-se de um crime de latrocínio, porque o executor se apossou do celular da vítima, e que o acusado de ser mandante nada tem a ver com o fato”.

 

O casamento pode ser anulado em razão da esposa ter descoberto que o marido é gay, à luz do art. 1.556 do NCC, que expressa o seguinte: O casamento pode ser anulado por vício da vontade, se houve por parte de um dos nubentes, ao consentir, erro essencial quanto à pessoa do outro.

 

ANDERSON CRUZ

 

Art. 1.557. Considera-se erro essencial sobre a pessoa do outro cônjuge:

I – O que diz respeito à sua identidade, sua honra e boa fama, sendo esse erro tal que o seu conhecimento ulterior torne insuportável a vida em comum ao cônjuge enganado;

Considero que não. Visto que a potencial anulação do casamento se daria a uma informação posterior.

Mediante a prova cabal de condição, anteriormente ignorada pelo cônjuge, que torna a convivência insuportável, não há mais a convivência.

Ou seja, depois do óbito do cônjuge.

Agora também na situação do primeiro casamento, também considero que não há a possibilidade. O tempo de convivência entre os cônjuges já exauriu a alegação de erro.

O Tribunal de Justiça de São Paulo decidiu em 2023, questão semelhante:

Vejamos o voto do desembargador relator deste processo, sendo que também analisou que as hipóteses de erro essencial (erro quanto à identidade) são de “cabimento restrito e grave”, o que não é o caso quando há falta de afinidade sexual entre o casal, seja por falta de interesse de um dos cônjuges, seja pelo fato de a orientação sexual ser diversa da ”esperada”.

O desembargador também ressaltou que, nos tempos atuais, o casamento não cria a obrigação de se ter relações sexuais, não criando qualquer débito conjugal. Ele acrescenta que à luz dos direitos de personalidade, da liberdade e dignidade sexual, a homossexualidade é “forma de expressão, autodeterminação e escolha de vida do indivíduo, não podendo mais ser enquadrada como um erro de identidade.”

Atualmente que diante da realidade atual do casamento, aceitam-se vários tipos de arranjos de gêneros e sexualidade, e não somente o relacionamento entre heterossexuais. Logo, não há interesse de agir dos autores em pleitear anulação do seu casamento.

 

GUSTAVO LIMA

Sim. Seria, em tese, uma espécie de erro essencial quanto à outra pessoa, ou seja, a mulher ter contraído matrimônio sem saber dessa característica do homem. É, possível, porém, que em defesa o homem possa demonstrar que a cônjuge sabia dessa característica dele e consentiu. O fundamental no caso é a esposa comprovar que casou ‘enganada’”.

Anderson Cruz é especialista em Direito Civil e Patrimonial, bem como ativista social e ambiental | Divulgação

Gustavo Lima, advogado criminalista | Divulgação

 

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