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Maricá: Mãe denuncia enfermeiro por estupro da filha de 12 anos em escola pública

Maricá: menina de 12 anos sofre estupro de enfermeiro na Escola Municipal Joana Benedicto Rangel. Polícia e Ministério Público investigam

Em Maricá, uma menina, aos 12 anos, sofreu estupro de enfermeiro na Escola Municipal Joana Benedicto Rangel; Polícia Civil e Ministério Público investigam | Evelen Gouvea/Maricá

Uma menina revelou, através de um “pedido de desculpas à mãe”, após ter sofrido “estupro de vulnerável” nos últimos meses, quando ainda tinha 12 anos, dentro da Escola Municipal Joana Benedicto Rangel, em Maricá, no Leste Fluminense. A mãe da vítima, uma colega jornalista, além de criar a filha sozinha, lida com enfermidade severa e vive restrita ao leito por risco de morte. Mesmo com sua limitação, luta contra a omissão da escola e a lentidão das autoridades para garantir proteção e responsabilização.
Ela escolheu o FOLHA DO LESTE para trazer ao conhecimento público  fatos de extrema gravidade que não se restringem ao estupro, mas também envolvem bullying, violência escolar e omissões. Há casos que, ao menos em tese, poderiam ser entendidos como prevaricação.
Em razão do sigilo que envolve o caso, e também para proteção das vítimas, vamos alterar suas identidades para manter a anonimização delas. Assim sendo, chamaremos a mãe de Donna a adolescente vítima, que fez 13 anos em meados de junho, de Dina.
O autor do estupro se trata de um técnico em enfermagem, a quem vamos nos referir como “Gargamel“, mantendo sua anonimização até a conclusão do inquérito pela Polícia Civil. Não por proteção à imagem dele, mas da família que ele ameaçou e, atualmente, está custodiada pelo medo.

Fatos gravíssimos

Mesmo ciente de relatos de que Dina tinha sido vítima de crime de violência sexual, a direção da unidade escolar não adotou qualquer providência efetiva, segundo a mãe. A reportagem do FOLHA DO LESTE teve acesso à vasto conteúdo comprobatório nesse sentido. Por exemplo, boletim de ocorrência feito na polícia, relatos da mãe, documentos diversos e denúncia feita ao Ministério Público e às respostas da Prefeitura e da Polícia Civil.
Aliás, diversos documentos revelam uma cadeia de omissões, iniciada na escola, perpetuada no sistema público e sustentada pelo silêncio das autoridades. Em uma guerra de versões, a mãe da criança afirma que as notas encaminhadas pela Prefeitura de Maricá ao Folha do Leste não correspondem a verdade.

A dor escondida e a denúncia ignorada

No dia 2 de julho (quarta-feira), a adolescente “Dina” procurou a direção da escola para relatar que estaria sofrendo violências sexuais e ameaças. Na ocasião, segundo conta a mãe, a menina relatou tudo na presença de várias pessoas, aos prantos. Esperava, pelo menos, acolhimento, mas não teve.
Na mesma data, Dina também contou o fato à mãe. Inicialmente,  assim como fez na escola, atribuiu a um “menino”, com descrição física genérica e comum, temendo pelas consequências de entregar o enfermeiro Gargamel. No mesmo instante, Donna decidiu que Dina não regressaria à escola.
A diretoria da escola não procurou a família da aluna, mesmo diante de um fato de tamanha gravidade. Afinal, ela ouviu de uma criança o relato de uma violência sexual, mesmo que atribuída à um outro aluno.
“A escola agiu covardemente como sempre fez diante dos casos de bullying”, diz Donna.
Além disso, sequer tomou as providências previstas em lei de relatar o fato às autoridades competentes.

Mãe insiste com escola

Diante da omissão da escola, no dia seguinte (quinta-feira, 03/7) à tarde, a mãe da vítima contactou a diretora adjunta Ivana através do WhatsApp. Relatou todo o caso, até então na perspectiva de que o autor da violência sexual se tratava de um aluno, pois, até então, Dina não havia revelado a identidade do agressor, permanecendo atribuindo autoria a “um menino”.
Inicialmente, de Donna com Ivana Araújo teve início às 14h36. Às 14h40, a diretora dá um “boa tarde”. Em seguida, às 14h41, após Donna justificar que não mandou a filha à escola por conta do fato e de dizer que queria tratar do assunto, Ivana, responde, de forma imediata, com a mensagem “pode relatar“. A conclusão do relato ocorreu às 15h03, ao passo que, durante 11 minutos, Ivana nada respondeu à Donna. Contudo, às 15h14, a diretora Ivana ligou para Donna e prometeu providências.
No dia seguinte (4/7), Donna tornou a fazer contato com a diretora adjunta Ivana, às 14h. Somente após a jornalista dizer que faria contato com a imprensa, a psicóloga escolar Roxane Guedes ligou para Donna.

Adolescente revela identidade do estuprador e pede desculpas

 

Em carta à mãe, menina revela autor de estupro na escola Joana Benedicta Rangel, em Maricá | Reprodução

Em carta à mãe, menina revela autor de estupro na escola Joana Benedicta Rangel, em Maricá | Reprodução

Somente dias depois, por meio de um bilhete, a adolescente decidiu revelar o verdadeiro autor dos abusos: o técnico de enfermagem “Gargamel“. Ele usava o pretexto de atendimentos clínicos para obrigá-la a tirar a roupa e tocá-la. Alegava estar medindo sua temperatura corporal e realizando exames complementares.
“Mãe, é o ‘infermeiro’, ME DESCULPA não ter falado antes, é que… (figurinha) sei lá, ele está fazendo faculdade e eu não queria estragar a vida dele. Por favor, vamos agir como uma noite normal, eu ‘tava’ no meu quarto pensando na possibilidade de ter que mudar de escola, perder meus amigos, tudo porque pensei mais no próximo no quem em ‘eu’ mesma. DESCULPA não ter falado antes, POR FAVOR, vamos agir como se essa carta não existisse. Não quero estragar a noite soltando essa informação. Eu realmente não quero falar sobre isso, eu só quero ir pra escola amanhã como se nada tivesse acontecido, DESCULPA“, escreveu Dina à Donna.

Porta trancada, manipulação, filmagem e ameaças

 

Dina tinha apenas 12 anos quando os abusos começaram. A primeira ida à enfermaria ocorreu por conta de uma agressão sofrida na escola, por bullying de colegas, conforme relatou a mãe. Daí por diante, a menina passou a ter episódios recorrentes de dor de cabeça em sala de aula.
Em contrapartida, Dina era encaminhada para atendimentos na enfermaria, onde os abusos começaram a acontecer na medida em que ele ganhava a confiança dela.
Mas há um fato de extrema gravidade que, no mínimo, favoreceu o cometimento de tal violência: ausência de presença de uma figura feminina acompanhando o atendimento no ambiente, que acontecia com a PORTA TRANCADA. Tal fato foi revelado por Dina à mãe antes dela contar que o autor da violência se tratava de Gargamel. De imediato, a mãe passou a desconfiar dele.
Além disso, Dona conta que Gargamel passou a ter uma atenção especial com Dina, sempre entrando em contato com ela para lhe informar das idas da menina à enfermaria. A mãe acredita que a filha passou a sofrer de ansiedade em decorrência do bullying constante na escola, e que isso poderia estar gerando crises de pânico nela.
“Ele (Gargamel) mandava mensagens sempre que a Dina ia para a enfermaria, dizendo como estava a temperatura dela e relatando as queixas que ela apresentava. Pra mim, se tratava de cuidado. Mas depois, quando ele começou a me ligar, perguntar sobre minha saúde, sobre como eu estava, achei aquilo estranho. Quando a Dina me disse que ele atendia ela de portas fechadas, passei a ter certeza de que era ele. Afinal, em qual ambiente da escola um abuso poderia ser cometido sem ser percebido”, relata Donna.

Gargamel se passou por ‘estudante de medicina’

 

Para ganhar ainda mais a confiança de Dina, Gargamel chegou a dizer a menina que estava fazendo “faculdade de medicina”. Com a intensa rotina de idas de Dina à enfermaria, e ciente das vulnerabilidades de sua mãe, Gargamel passou a cercar Dina com cuidados forjados. Dina contou à mãe, após prestar depoimento, que durante os atendimentos, Gargamel ligava o celular para “cronometrar o tempo” que levava para atendê-la. Um forte indício de que ele, tal qual outros pedófilos, filmava os abusos.
Todavia, quando Gargamel percebeu que ela queria romper o ciclo, ele passou a ameaçar Dina. Acima de tudo, dizendo saber que a mãe dela estava doente e dos riscos de vida dela.
Porém, o ciclo de violência durou meses. Só cessou quando a vítima teve uma crise de pânico na escola. Em seguida, ao chegar em casa, contou tudo à mãe.

Apoio inicial

Já em desespero, sem saber como conseguiria denunciar o crime, Donna procurou a advogada Ingrid Caldas Pereira de Almeida Bastos, secretária da Mulher em Maricá e também vice-presidente da Comissão de Assistência às Vítimas de Violência Doméstica da OAB/Niterói. Até então, Dina não havia revelado o agressor, mas Donna já suspeitava de Gargamel.
A princípio, Donna relatou o caso e pediu o contato da subsecretária Zanza Calixto Silva. Por consenso, ambas entenderam que a vasta experiência de Zanza como Conselheira Tutelar por três mandatos teria grande valia na questão.
Após a revelação de Dina de que Gargamel se tratava do agressor, Donna fez contato com Zanza Calixto. Após uma longa conversa, Zanza disponibilizou uma cadeira de rodas e um carro com motorista da Casa da Mulher para levar Donna à delegacia para registrar ocorrência, em 7 de julho.
O mesmo apoio foi prestado em seguida, dias depois, quando sua filha prestou depoimento especial, conforme manda a Lei 13.431/17. A Polícia Civil classificou inicialmente o caso como importunação sexual, nos termos do art.217-A do Código Penal. Especialistas ouvidos pela reportagem do Folha do Leste, no entanto, entendem que a conduta se trata de estupro de vulnerável, nos termos do art. 217-A do Código Penal, primordialmente pela idade da vítima — 12 anos.

Os crimes de acordo com o Código Penal e suas penas

Uma simples leitura do Código Penal deixa claro que qualquer ato libidinoso praticado com menor de 14 anos se trata de estupro de vulnerável.
Importunação sexual 
Art. 215-A. Praticar contra alguém e sem a sua anuência ato libidinoso com o objetivo de satisfazer a própria lascívia ou a de terceiro: Pena – reclusão, de 1 (um) a 5 (cinco) anos, se o ato não constitui crime mais grave.
Estupro de vulnerável
Art. 217-A.  Ter conjunção carnal ou praticar outro ato libidinoso com menor de 14 (catorze) anos: Pena – reclusão, de 8 (oito) a 15 (quinze) anos.
     
Procurada pela nossa reportagem, a Polícia Civil disse que a especificação do crime pode ter alteração no curso do inquérito.
“A tipificação é definida a partir das informações disponíveis no momento da confecção do registro, mas isso pode ser alterado ao longo da investigação, de acordo com elementos levantados pelos policiais civis. O mais importante é o indiciamento após a análise de todas as evidências e a conclusão da investigação”, disse a Polícia Civil ao Folha do Leste.

O caso dos descasos

 

Sem respostas da escola nem da prefeitura, Donna denunciou o caso ao Ministério Público do Rio de Janeiro (MPRJ). Segundo o órgão, o Centro de Apoio Operacional das Promotorias de Justiça de Investigação Penal estão atuando, sob sigilo, desde o dia 15.
Desesperada por não ter respostas sobre quais providências estariam sendo tomadas pelo poder público – e ao mesmo tempo presa à sua cama sob risco de morte – Donna enviou e-mail à secretaria de Educação. Segundo Donna, a secretaria jamais lhe deu resposta ou disse ter recebido o documento.
Para mãe e filha, na prática, o registro da ocorrência parece não ter produzido efeitos em suas vidas. Pelo contrário, na percepção de Donna, a situação parece ter piorado, pois entre elas há sensação de impunidade e aumento do descaso.  A polícia, tampouco a Justiça, adotaram sequer medidas protetivas ao menos para a menina. Nem a assistência jurídica que a lei assegura a elas. Em resumo, estão desalentadas e sentem-se abandonadas à própria sorte.

Um grito por justiça em meio à omissão

A luta de Donna, uma mulher fragilizada fisicamente, mas firme em defesa da filha, coloca em xeque o sistema de proteção à infância, em Maricá. No último dia 17, ela relatou os acontecimentos ao vereador Hadesh (PT), que preside a Comissão de Educação da Câmara de Maricá. Apesar de tê-la respondido em 15 minutos, a atenção veio acompanhada de um questionamento insensível e indecoroso:
“Ela já teve outro caso ou só essa situação específica?”
No entanto, Hadesh fez questão de dizer à Donna que a escola “estava colaborando” por ter comparecido à delegacia e entregue documentos. Ademais, deixou claro que, até aquela data (17/7), mesmo com o caso registrado na Polícia e no MP, Gargamel seguia trabalhando normalmente.
“O pessoal da secretaria irá te chamar. Iremos afastar o profissional. Na segunda (21/07), o pessoal do NAIEFE (Núcleo de Atenção e Integração do Educando Família e Escola) vai te atender.

Nota oficial nega a realidade da mãe

 

A Prefeitura de Maricá, em nota, respondeu parcialmente aos questionamentos Folha do Leste, afirmando que o profissional foi afastado e que a família recebe apoio da rede de proteção. A nota gerou ainda mais revolta em Donna.
“A Prefeitura de Maricá, por meio da Secretaria de Educação, informa que o profissional mencionado foi imediatamente afastado de suas funções assim que a denúncia chegou ao conhecimento da gestão. O caso está sob apuração das autoridades competentes, com o devido sigilo garantido para resguardar a integridade da criança e de sua família.
A Prefeitura também assegura que a família está recebendo acompanhamento psicológico e suporte social por meio da rede municipal de proteção. A administração municipal reafirma seu compromisso com a proteção integral da infância e repudia veementemente qualquer forma de violência ou violação de direitos”.

Indignada, Donna desmente prefeitura de Maricá

“Desde que confrontei a escola por não ter sido notificada do ocorrido com minha filha, e busquei autoridade policial e Ministério Público para fazer a denúncia, nem eu ou minha filha não recebemos nenhum tipo de apoio psicológico. O único apoio que recebemos foi da Secretaria da Mulher, com quem fiz contato inicialmente e forneceram por duas vezes condução para a delegacia com a minha cadeira de rodas e minha filha”, disse a mãe, revoltada.
Donna ainda relatou que a menina está com dificuldades para dormir.
“Minha filha têm pesadelos todas as noites — QUANDO CONSEGUE DORMIR — com o sujeito que cometeu os atos e tem se mostrado abatida e confusa.”
Por fim, Donna também cobra a responsabilização da diretora e da psicóloga da escola, que sabiam dos indícios, mas não notificaram o Conselho Tutelar nem a polícia, conforme exige a legislação.
“Todos os contatos com a Diretoria da escola sobre o ocorrido eu que tive que fazer. Senão ia estar acontecendo até agora caso Dina não tivesse surtado naquele dia 02 de julho”.
Ainda sob efeito de perplexidade diante da nota da Prefeitura de Maricá, a mãe da criança destacou:
“A escola se omitiu e se eximiu de responsabilidade no que dizia respeito ao que Dina estava denunciando, desesperada, com medo de citar o nome do enfermeiro. Nossas filhas saem e deixamos elas na escola com a certeza de que estarão seguras e sendo cuidadas e respeitadas dentro de seus direitos e deveres. E minha filha foi pra escola ser vítima de um pedófilo e uma direção omissa e incompetente”, declarou

Dedicação para a realidade objetiva

O Folha do Leste deixou claro para a Secretaria de Comunicação da Prefeitura de Maricá que estava com vasto conteúdo probatório acerca do caso. Nesse sentido, reiteramos que, segundo a família, não houve adoção de nenhuma medida de acompanhamento psicológico e suporte social. Pedimos aos colegas maior empenho e menos generalismo nas respostas. Acima de tudo, estamos falando de uma situação de CRIANÇA ESTUPRADA dentro do sistema de ensino do município de Maricá.
A direção do Folha do Leste foi enfática ao dizer que o portal de notícias confrontaria todas as respostas não respaldadas na verossimilhança dos fatos, sobretudo por conta de nossa robusta apuração, com provas.

Tornamos a questionar a Prefeitura de Maricá

  • Poderiam especificar quais medidas estão sendo fornecidas e desde quando? Por exemplo, que tipo de “suporte social”? O suporte está sendo prestado na residência da família? Está sendo feito de forma presencial?
  • Indagamos, ainda: quando que a denúncia chegou ao conhecimento da gestão pública?
Às 16h01 deste sábado, a Prefeitura de Maricá, através da Secretaria de Comunicação, tornou a responder ao Folha do Leste:
A Prefeitura de Maricá, por meio da Secretaria de Educação, informa que a criança recebeu atendimento psicológico nos dias 02 e 03 de julho.

O município reitera que o caso está sob rigorosa apuração das autoridades competentes e, em consenso com a mãe da criança, é acompanhado pelo Conselho Tutelar.

Todas as medidas necessárias estão sendo adotadas em total colaboração com os órgãos responsáveis.

Ressaltamos que o processo transcorre com o devido sigilo legal, indispensável para preservar a integridade e a privacidade da criança e de sua família”.

É MENTIRA!

 

“Ressalto terminantemente que a minha filha  não recebeu nenhum atendimento da psicologia até mesmo porque conforme está sendo dito, dia 03 de julho ela sequer foi para escola e a mantive longe de tudo e de todos”, diz a mãe.

Entre a lei e a realidade, o abismo

A Lei 14.344/22, que institui o sistema de garantia de direitos de crianças e adolescentes vítimas de violência, exige acolhimento imediato e humanizado. Mas, neste caso, a legislação parece letra morta.
A Polícia Civil disse ao Folha do Leste que o inquérito terminará em breve.
“O caso é investigado pela 82ª DP (Maricá) e encontra-se em fase final. As últimas testemunhas são ouvidas e outras diligências são realizadas para apurar os fatos e concluir o caso”, informa.

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