Niterói

Idoso morre no Carlos Tortelly e família acusa hospital de negligência

Passar mal. Acontece com todo mundo. Muitos se automedicam, contrariando as recomendações das organizações de medicina, enquanto outros, buscam socorro. Há quem não busque atendimento médico por não ter plano de saúde e prejulgar como ruim o atendimento na rede pública. Há casos, no entanto, que o socorro é a via necessária para não deixar que algo controlável – como uma crise glicêmica – se torne fatal.

Desta forma, agiram os familiares de Gerson de Souza, aposentado, de 71 anos, morador da Engenhoca. Na última terça-feira (20), Gerson passou mal em casa. Seus familiares  prontamente o levaram para  a Policlínica Municipal Comunitária Dr. Renato Silva, que fica em seu bairro. Chegou lá com a glicemia descompensada. Foi estabilizado. A família foi orientada a levá-lo para o Hospital Municipal Carlos Tortelly, onde ele deu entrada no mesmo dia.

Segundo a versão contada pelos familiares, o local estaria “abandonado”. A indignação exclama  a experiência vivenciada e registrada em vídeo por eles, e enviado ao FOLHA DO LESTE via WhatsApp. Esta filmagem, segundo a família, foi feita na noite de quarta-feira (21).

A mensagem demorou a chegar, pois, quando a recebemos, Gerson de Souza havia falecido. Uma das principais queixas, na data da filmagem, tratava-se da acomodação dos pacientes, internados em cadeiras de repouso. Isso, em tese, contraria o protocolo de risco de queda do Programa Nacional de Segurança do Paciente. Por ter mais de 65 anos, Gerson deveria estar identificado com pulseia de risco de queda e, ainda, estar em acomodação com grade suspensa.

A família afirma que Gerson tinha hipertensão e diabétis. À nossa reportagem, disseram que teriam dado insulina em excesso ao paciente. E que ele acabou morrendo por hipoglicemia, ou seja, por estar com a glicose baixa demais pelo excesso de aplicação de insulina por parte da equipe clínica.

Via Crucis

De terça-feira (20), quando deu entrada no Carlos Tortelly, até quinta-feira (22), dia mais crítico em que finalmente fora transferido para a “sala vermelha”, destinada a pacientes de risco, Gerson teria ficado acomodado em uma cadeira destinada ao repouso de pacientes. Ou seja, um equipamento totalmente inadequado para acomodação de um idoso, e totalmente fora de qualquer protocolo de atendimento de prevenção de quedas, necessário para pessoas em sua faixa de idade.

Em resumo, se trataria de um caso – ou descaso? – com paciente diabético, que, segundo a família, morreu porque tomou insulina demais, sem o devido acompanhamento ou controle glicêmico.

 

“Muitos pacientes para uma equipe que não dá conta”, relatou o filho Gerson.

 

Denunciam, ainda, a falta de alimentação adequada ao paciente, que teve de ser provida pelos mesmos.  O filho Gerson afirma, ainda, que o pai morreu por negligência.

 

Anteontem (quinta-feira, 22) de manhã eu estava lá com ele e aplicaram insulina, que não era para ter aplicado e eu falei que a insulina estava baixando tudo dele, estava baixando pressão, baixando a glicose demais”, disse, afirmando, ainda, que a resposta da equipe de enfermagem foi de que deveria ser aguardada a troca de plantão.

 

Neste momento, Gerson afirma que indagou a equipe:

 

Vai esperar meu pai morrer, meu pai está ficando todo gelado” – gritara, desesperado.

Acusação de negligência

Teria sido neste instante, ainda segundo Gerson (filho), que uma das pessoas da equipe de enfermagem se aproximou e constatou a gravidade do quadro de seu pai. Somente então, na manhã de quinta-feira (22) Gerson acabou transferido para a “sala vermelha”.

 

 

O filho Victor, estudante de medicina veterinária, concorda com o irmão Gerson e entende que o pai morreu por negligência.

 

O que aconteceu com meu pai foi negligência médica. Ele chegou ao hospital com uma glicemia relativamente baixa e quando começou a se estabilizar fizeram outra dose de insulina, que baixou a glicose dele para 40(mg/dl)”, disse.

Hipoglicemia e complicações do diabetes

De acordo com o Ministério da Saúde, a insulina é um hormônio que tem a função de quebrar as moléculas de glicose(açúcar) transformando-a em energia para manutenção das células do nosso organismo. O diabetes pode causar o aumento da glicemia e as altas taxas podem levar a complicações no coração, nas artérias, nos olhos, nos rins e nos nervos.

No entanto, o próprio Ministério da Saúde alerta para a hipoglicemia. “É, literalmente, o nível muito baixo de glicose no sangue, e é comum em pessoas com diabetes.

Para o Hospital Albert Einsten, a queda da concentração de glicose no sangue para valores inferiores a 70mg/dl em diabéticos e inferiores a 50mg/dl em não diabéticos configura hipoglicemia.

A narrativa da família faz sentido com as explicações técnicas dentro do seguinte quadro fático: a cada dose de insulina dada ao paciente Gilson, ele sofria crises de hipoglicemia não assistidas devidamente e podem ter resultado em sua morte.

Jurista opina

De acordo com o advogado Heraldo Fonseca da Silveira, caso a situação tenha ocorrido exatamente nos termos do que a família relata, o argumento  de negligência é pertinente.

Comprovando-se este quadro glicêmico narrado pela família – com a aplicação sucessiva de doses de insulina sem o devido controle, inclusive alimentar, combinada com o que diz a literatura médica, pode-se considerar que houve negligência, que nada mais é do que a falta de cuidado, um desleixo, desatenção em situações em que se exige o contrário”.

 

 

Do hospital para o cemitério

O falecimento de Gerson de Souza ocorreu às 5:30 desta sexta-feira (23). Segundo laudo médico, a causa da morte foi choque cardiogênico, arritmia cardíaca, diabetes melitus tipo 2, hipertensão arterial sistêmica.

O velório e sepultamento ocorreram no Cemitério do Maruí, no Barreto, no sábado (24). Gerson de Souza deixa viúva, Silvia Maria Carvalho de Souza, e dois filhos maiores, Gerson e Victor.

 

Buscando respostas

O FOLHA DO LESTE indagou a prefeitura de Niterói sobre o assunto e outras questões diversas relacionadas ao atendimento no Carlos Tortelly e à saúde de Niterói.

  • Quanto Niterói investe em saúde por ano? Deste valor, qual é a dotação orçamentária destinada ao Hospital Carlos Tortelly?
  • Quantos leitos destinados à internação o Hospital Carlos Tortelly possui? Quantos estão ocupados? Há superlotação?
  • Faltam insumos no hospital? Faltam funcionários? Há deficiência na limpeza, conforme a família relata?
  • Qual a razão ou justificativa de pessoas estarem sendo internadas em cadeiras destinadas a acomodação apenas de repouso?
  • Por que o Sr. Gilson não foi imediatamente levado para a sala vermelha, já que seu quadro de glicemia descompensada sabidamente por qualquer leigo poderia ser fatal ou produzir severas consequências neurológicas?
  • Em que a polêmica envolvendo a discussão de cessão do hospital à Organizações Sociais pode estar influenciando no mau funcionamento e serviço criticado do hospital?
  • O município, em que pese a responsabilidade de prover a atenção básica de saúde, adota quais medidas preventivas para evitar que o destino das pessoas portadoras de doenças crônicas seja o hospital? Há serviços de busca ativa para diabéticos e hipertensos, por exemplo? Oferta de medicamentos e atenção para o controle destas doenças, que, se tratadas e devidamente controladas, certamente diminuem as buscas hospitalares?
  • Sobre a alimentação no Carlos Tortelly, a família do de cujus relatou que teve de prover a alimentação dele. O hospital não oferece alimentação?

Prefeitura de Niterói responde aos questionamentos

A Secretaria Municipal de Saúde de Niterói informa que o Hospital Municipal Carlos Tortelly (HMCT) é uma unidade de emergência clínica, com portas abertas, para moradores de Niterói e outros municípios da região. Houve um aumento do número de internações na unidade. Atualmente o HMCT possui 121 leitos de internação e a equipe assistencial está completa. Sobre a limpeza, há uma equipe destinada para a realização do serviço e o hospital possui alimentação disponível para pacientes e acompanhantes.

De acordo com o boletim de atendimento médico, no momento da entrada na emergência, o paciente estava estável e com condições de internação em enfermaria. Foram realizados procedimentos como tomografia e exames laboratoriais e, ao apresentar piora, ele foi transferido para a sala vermelha. A direção do HMCT está apurando o ocorrido e se coloca à disposição da família para esclarecimentos.

Em relação à Organização Social, o município possui boa experiência na administração de unidade por Organização Social, como no caso do Hospital Municipal Oceanico Gilson Cantarino e no Hospital Municipal Getúlio Vargas Filho, o Getulinho, em que foram obtidos resultados importantes, como manter os índices de mortalidade e infecção hospitalar abaixo do máximo recomendado pela Organização Mundial de Saúde e mantém os serviços 100%. Todo o trabalho desempenhado pelas Organizações Sociais é acompanhado por uma comissão que avalia mensalmente os resultados e cumprimentos das exigências contratuais, por prestação de contas. Essa comissão é composta por gestores e membros do Conselho Municipal de Saúde, sendo um representante do segmento usuário e um representante do segmento trabalhador da saúde.

O município possui um programa de Hipertensão e Diabetes na rede de atenção básica e realiza acompanhamento, busca ativa e tratamento para os pacientes, com acolhimento, medicação e exames disponíveis. Além disso, também são realizadas ações de prevenção à doença.

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2 Comentários

  1. […] morte do idoso Gerson de Souza, de 71 anos, na última sexta-feira (23), no Hospital Municipal Carlo…, em Niterói, fez com que surgissem novas reclamações sobre a precariedade do atendimento na […]

  2. […] princípio, após a morte de Gerson de Souza, de 71 anos, em junho deste ano, no Hospital Municipal Carlos Tortelly, outra família de Niterói teme que aconteça o mesmo com uma mulher, também idosa, que luta pela […]

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