Em 1984, há 40 anos, ocorria o primeiro desfile no então recém-criado Sambódromo na Avenida Marquês de Sapucaí. Com um arco projetado pelo arquiteto Oscar Niemeyer, o local receberia o primeiro desfile em um espaço fixo. E, na ocasião, a história aconteceu também na televisão brasileira. Com menos de um ano de vida, a TV Manchete impôs uma derrota acachapante à TV Globo na transmissão do carnaval.
Curiosamente, o aniversário de 40 anos da histórica vitória na audiência acontece em um momento onde o público tem se queixado da qualidade da transmissão da Vênus Platinada em 2024. E não é por acaso que quem acompanhou o carnaval durante o período em que o canal de Adolpho Bloch esteve no ar, de 1983 a 1999, reclame atualmente nas redes sociais do trabalho que a Globo faz nos atuais desfiles.
Na ocasião, de todos os televisores ligados, a Manchete levou 70% da audiência, enquanto a Globo ficou com apenas 8%. A repercussão da derrota foi tão grande, que nos anos seguintes o canal de Roberto Marinho nunca mais abriu mão dos desfiles.
Mudança nos desfiles fez Globo recusar a transmissão
É importante pontuar que a derrota aconteceu por alguns motivos. Os desfiles já aconteciam na Marquês de Sapucaí, mas toda a estrutura era móvel. As arquibancadas, por exemplo, eram tubulares. E as transmissões eram feitas pela TV Globo em um único dia.
Preocupado com toda a logística que os desfiles impactavam no trânsito no Centro do Rio, em especial na Avenida Presidente Vargas, o então governador Leonel Brizola pediu o projeto para a construção de um sambódromo, feito pelo arquiteto Oscar Niemeyer.
A obra aconteceu em tempo recorde. Em apenas quatro meses, o Sambódromo foi inaugurado a tempo para o carnaval de 1984. E é partir disso que uma movimentação nos bastidores se inicia.
Em conversa com a Folha do Leste, o jornalista Luiz Santoro relembra a situação. integrante do primeiro time de jornalismo da Manchete, ele guarda detalhes da transmissão até hoje. E revela que, inicialmente, a Globo quem rejeitou uma mudança proposta na forma de transmissão.
“Esse momento foi muito marcante, porque a Manchete fez uma coisa que ninguém esperava. Aquele carnaval, na realidade, foi oferecido à Globo, Mas a emissora não quis fazer porque os organizadores haviam decidido que os desfiles seriam em dois dias. A Globo afirmou que só fazia um dia, mas em dois, não. O pessoal que organizava pensou que a Manchete não ia topar fazer. O Darcy Ribeiro, então vice-governador, junto com o Oscar Niemeyer, vão até o seu Adolfo Bloch e o convencem a fazer a transmissão sozinho. E o resultado foi aquela maravilha”, relembra.
E Santoro acrescenta que o time que a emissora formou para trabalhar no primeiro desfile do Sambódromo foi decisivo para o trabalho dar certo na televisão.
“A Manchete mostrava o Carnaval no início, o meio e o fim. Você via exatamente o que que estava acontecendo naquela hora. Ela levou os melhores comentaristas para lá: Albino Pinheiro, Haroldo Costa e Fernando Pamplona, com o Paulo Stein arrebentou na narração. E o trabalho de reportagem era brilhante, com os repórteres manchete entrevistando todo mundo. Então era era um espetáculo aquilo”, comentou.
Roberto Marinho ficou chateado com Adolpho Bloch
Toda a situação poderia ter tido uma reviravolta em cima da hora. Além de trabalhar na Manchete, Santoro recebeu o convite da RioTur para ser a voz oficial dos desfiles no Sambódromo. Ele iria anunciar as escolas e o enredo em português e inglês, enquanto Jacyra Lucas Rodriguez, também integrante da Manchete, fazia o mesmo em espanhol, pois era filha de espanhóis nascida no Brasil.
Em uma reunião na sala de Bloch, o jornalista relembra que ouviu do patrão dicas para se apresentar bem, pois “era jovem e tinha a cara da Manchete”. Junto a eles estavam Mauro Costa, editor-chefe, e Laírton Cabral, secretário de Bloch. Neste momento, uma outra secretária informa um telefonema. Era Roberto Marinho, dono das Organizações Globo.
“O seu Adolpho atendeu o telefone do Roberto Marinho – eles eram amigos há décados – e depois de muito conversarem desligam o telefone. Daí ele, o seu Adolpho, explica para o Mauro Costa que o Roberto Marinho propôs que a transmissão fosse em ‘pool’. Só que o seu Adolpho recusou. Disse que até poderia fazer nos próximos anos, mas naquele momento, em 1984, não. O Marinho disse: ‘Adolpho, você está me negando um favor. Então eu posso te negar um favor no futuro se você me pedir'”, afirmou.
Santoro não tem dúvidas que essa situação colaborou para Roberto Marinho se negar a ajudar a Manchete quando a emissora, pois Marinho tinha influência junto ao Governo Federal e poderia, ao menos, tentar salvar a emissora. Afundada em dívidas, a Manchete saiu do ar maio de 1999, sendo comprada pelos empresários Amílcare de Dallevo Júnior e Marcelo de Carvalho, criadores da RedeTV!
Santoro concorda com as críticas a atual transmissão da Globo.
Sincero, Luiz Santoro é mais um a criticar a forma como a Rede Globo tem feito as transmissões do carnaval carioca.
Em 2024, a emissora optou por colocar influenciadores para entrevistar integrantes das escolas de samba. Um festival de erros chamou a atenção do público, como um influenciador que mandou um “salve” para o sambista Quinho, do Salgueiro, que faleceu no fim do ano passado.
Com a experiência de quem cobriu o carnaval não apenas na Sapucaí, mas os bailes que aconteciam no Scala, Theatro Municipal e Monte Líbano, Santoro é direto em opinar sobre as transmissões atuais.
“A Globo não faz o carnaval que o povo quer. Na Manchete, eu e o Otávio Mesquita fazíamos transmissão de desfiles, bailes e até fantasias de carnaval. Ele transmitia os bailes e eu os desfiles de fantasias. O carnaval da Manchete era 24 horas com uma transmissão raiz”, finaliza.
Concorrência a partir do ano seguinte
A partir de 1985, a Globo optou por voltar às transmissões. Além dela, a Bandeirantes também passou a transmitir ao vivo o carnaval carioca. Mas a briga de audiência ficava, de fato, entre Globo e Manchete.
Em um dos carnavais, até uma escola de samba colocou os símbolos dos dois canais lado a lado em um dos carros alegóricos.
[…] Nos anos 80 era muito comum as emissoras transmitirem não somente os desfiles na Sapucaí, mas os bailes de carnaval em clubes e até disputa de fantasias, como afirmou ao Folha do Leste o jornalista Luiz Santoro. […]