
Júri popular vai julgar policiais da Core pela morte de João Pedro, aos 14 anos | Rio de Paz/ ₢Rafael Brito
Quatro anos após o assassinato do adolescente João Pedro Mattos Pinto, de 14 anos, dentro de casa, no Complexo do Salgueiro, em São Gonçalo, a Justiça finalmente ouviu o clamor popular. Nesta terça-feira (24), a 6ª Câmara Criminal do Tribunal de Justiça do Estado do Rio de Janeiro (TJRJ) decidiu, por unanimidade, levar a júri popular os três policiais civis acusados pela morte do menino.

João Pedro, então com 14 anos. Rafaela Santos/Arquivo pessoal
A decisão anula a controversa absolvição dos agentes da Coordenadoria de Recursos Especiais (Core) — Mauro José Gonçalves, Maxwell Gomes Pereira e Fernando de Brito Meister — proferida em 2023 pela 4ª Vara Criminal de São Gonçalo. À época, o juiz ignorou laudos técnicos e testemunhos que apontavam graves irregularidades na atuação policial. O Ministério Público e a Defensoria Pública recorreram, e agora a sentença será revista sob os olhos da sociedade.
70 tiros e nenhuma explicação
João Pedro morreu por conta de um tiro de fuzil que o atingiu nas costas enquanto ele brincava com amigos na casa do tio. O imóvel ficou crivado de mais de 70 disparos. Nenhum policial se feriu, assim como não houve comprovação de qualquer confronto. O laudo da própria Polícia Civil descartou a hipótese de legítima defesa. Mesmo assim, os acusados saíram livres — até agora.
Para o Ministério Público, os policiais dispararam tiros em direção a uma casa com vidros espelhados, sem visibilidade sobre quem estava dentro. Já a Defensoria sustenta que a decisão inicial violou normas da Corte Interamericana de Direitos Humanos, bem como do STF. Elas exigem, sobretudo, investigações imparciais quando agentes do Estado estão envolvidos em crimes.
Júri popular: a justiça pelas mãos do povo
Com a nova decisão, os três agentes agora responderão por homicídio doloso, quando há intenção ou assunção de risco. Caberá a um júri popular — formado por cidadãos comuns — julgá-los, como manda a Constituição para crimes contra a vida.

Polícia atirou 70 vezes: júri popular vai decidir caso do menino João Pedro | Tomaz Silva/ABR
Segundo o defensor público Pedro Carriello, o julgamento popular é “uma vitória da verdade”. Para ele, a existência de provas técnicas, periciais e testemunhais invalida qualquer tese de legítima defesa.
“É uma decisão de suma importância. Fortalece a luta pelos direitos humanos e reforça a memória do caso João Pedro”, declarou.
“Não vai trazer meu filho de volta, mas é um alívio”, diz mãe

Rafaela Matos, mãe de João Pedro, clama por justiça e fala sobre que a família carrega há cinco anos | Rio de Paz/ ₢Rafael Brito
Na porta do TJRJ, onde familiares e ativistas fizeram mais uma manifestação por justiça, a mãe do adolescente, Rafaela Mattos, desabafou entre lágrimas:
“Ontem, o João faria 20 anos. E hoje é uma vitória. Tivemos que esperar um ano por essa resposta. Ainda vai demorar para o júri acontecer, mas esse alívio não tem preço”, disse.
Em entrevista à imprensa, Rafaela também também falou:

Acusados de matar João Pedro enfrentarão julgamento por homicídio doloso após justiça anular julgamento do caso | Rio de Paz/ ₢Rafael Brito
“Mesmo tendo júri popular, nós não sabemos quanto tempo mais nós vamos esperar para que essa justiça seja feita. Porque a gente vê a impunidade todos os dias. São cinco anos dessa batalha. E é muito difícil você estar numa luta, e você saber que as pessoas que assassinaram seu filho estão por aí soltas. trabalhando levando suas filhas normalmente. E nós familiares temos que transformar a nossa dor em luta”
Pedidos negados
Apesar da vitória parcial, a Justiça negou pedidos importantes da família: aumento da indenização, fornecimento de atendimento psicológico, medicamentos, um pedido formal de desculpas do Estado e a criação de um memorial em homenagem ao menino.
Quando será o julgamento?
Ainda não há data definida para o júri. Mas, com a decisão desta terça, o caso volta ao centro do debate sobre violência de Estado, racismo estrutural e impunidade no Brasil.