
Terreiro Beija-Flor revela sincretismo da fé de Laíla num desfile que derrama emoção desperta nostalgia na Marquês de Sapucaí | Riotur/ Tata Barreto
A Sapucaí virou terreiro, altar e palco de encantamento quando a Beija-Flor de Nilópolis pisou no asfalto sagrado do sambódromo, revivendo a alma de Laíla em uma explosão de cores, ritmos e devoção.

Sapucaí vira palco sagrado do sincretismo de fé de Laíla em homenagem feita pela Beija-Florno Carnaval 2025 | Riotur/Alex Ferro
Com o enredo “Laíla de Todos os Santos, Laíla de Todos os Sambas”, a escola ergueu um tributo que fez o céu estremecer e o coração do público bater no compasso da bossa de um mestre imortal.

Alegoria “Ninguém tem Mais Fé do que Eu” se baseia em afirmação de Laíla, que professava seu amor e devoção a Deus sobre todas as coisas de forma sincretizada. Desse modo, também batia cabeça para Orixás e nas crenças de matrizes africanas| Riotur/ Alex Ferro
Tal qual um templo de sincretismo e emoção, um santuário se ergueu como um portal entre mundos. Anjos e caboclos dançavam entre turíbulos de incenso, enquanto santos e orixás dividiam o mesmo espaço em um altar de pura fé.
Mensagens como “Axé”, “Saravá” e “Fé” sopravam as bênçãos do homenageado sobre os foliões.

De vestes brancas e pretas, as Pretas-Velhas rezadoras representavam as Santas Almas Benditas, que fortaleciam a conexão de Laíla com o Divino | Riotur/ Tata Barreto
Sabedoria que ecoa pelos tempos

A força da negritude: protagonismo histórico e a sabedoria que emana das raízes ancestrais | Riotur/Alex Ferro
A ancestralidade assumiu no desfile a forma de um baobá imponente, com suas raízes cravadas na história negra do carnaval. Corujas de asas abertas sussurravam segredos ao vento, enquanto os adinkras estampados nas alegorias recontavam lutas e conquistas.

Xangô, o regente do Ori de Laíla, que carregava consigo muitas características de seu Orixá de cabeça, como a determinação obstinada, assim como o jeito “mandão”. Mesmo com fama de brabo, ele ficava irado mesmo quando estava diante de alguma forma de injustiça | Riotur/ João Sales
A Beija-Flor não apenas desfilava; ela escrevia um novo capítulo da memória afro-brasileira com a mesma paixão com que Laíla transformou o samba em revolução.

Claudinho e Selminha Sorriso, desde 1996 formam o casal de Mestre-Sala e Porta-Bandeira da família Beija-Flor| Riotur/ Alex Ferro
Promessa cumprida
E eis que em meio a essa ode emergiu a Rainha do Mar, banhada em luz azul e prata. O momento emocionante reviveu o momento em que Laíla prometeu entregar uma imagem da divindade às águas de Copacabana após a vitória do Salgueiro, em 1974. Como um feitiço de amor cumprido, o cortejo de pagadores de promessa desfilou com a mesma fé que move montanhas e faz milagres na avenida.

Pinah, a cinderela negra que ao príncipe encantou | Riotur/ João Sales
O voo do comandante
A soberana de Nilópolis abriu suas asas para receber seu eterno comandante, numa revoada de beija-flores envolvendo a imagem de Laíla em fios de contas e luz.

Laíla, enfim, ressurge, envolto aos seus colares de fios de contas, para comandar sua comunidade, e com sede de vitória | Riotur/ Alex Ferro
O semblante do mestre, esculpido em movimento, parecia reger a bateria e guiar cada passo dos componentes. Joãosinho Trinta, outro gênio do delírio carnavalesco, também recebeu sua homenagem, pois o espetáculo da Beija-Flor sempre pertence aos deuses da genialidade.

Joãosinho Trinta desce do céu vestido em seu maior “traje de gala”, o de gari, quando juntamente com Laíla fez do lixo um luxo | Riotur/ Alex Ferro
O Cristo Preto e a redenção
A Beija-Flor não esquece suas batalhas, sobretudo as épicas. No sexto carro, um Cristo coberto por panos negros ressurgiu. Desta vez, com a inscrição “Do Orun, olhai por nós”. Acima de tudo, clamando proteção para os que fazem do carnaval sua fé e sua luta. Assim como em 1989, mendigos, artistas e sonhadores se misturam.

“Do Orun, Olhai por Nós” | Riotur/ Alex Ferro
Enfim, a última cena do espetáculo relembra que Laíla e Joãosinho Trinta ousaram mostrar ao mundo que a arte também se manifesta através de gritos cênicos. Eles podem traduzir sentimentos de revolta ou, até mesmo, de redenção.

| Riotur/ João Sales
Chora, cavaco!
Eis que então outro arrebate de emoção se soma à saudade sob forma de adeus. Ao passo que as lágrimas de toda uma passarela rolavam, Neguinho da Beija-Flor segurava o seu pranto para seu último canto. Sua voz, eterna, fez a Sapucaí tremer.

Beija-Flor derrama emoção na Sapucaí em desfile marcado por nostalgia no Carnaval 2025 Neguinho | Riotur/ Alex Ferro
O ídolo, aos 75 anos, decidiu se despedir do microfone oficial da agremiação nilopolitana. Entretanto, cada nota que ecoou na avenida cravou na história a certeza de que seu canto permanecerá eterno. Enquanto a bateria embalava a escola, a comunidade cantava uníssona e o chão tremeu.

Ao ecoar do som de um tambor, sobretudo dessa Soberana bateria, Neguinho por décadas cantou: “Beija-Flor, minha escola, minha vida, meu amor” | Riotur/ Clara Coiote
Quando o último componente cruzou a linha final da Praça da Apoteose, a Sapucaí, enfim, compreendeu: nem Laíla ou Neguinho partiram. De agora em diante, eles estarão pulsando no coração de todos os torcedores da Beija-Flor.

Alex Ferro
O desfile da Beija-Flor, em suma, transcendeu a homenagem e o reconhecimento. Afinal, quem poderia sonhar que Laíla e Neguinho ainda poderiam, juntos, dar mais um título à Beija-Flor? Nesse ritual de ressurreição e despedida, sem ostentação, a busca dos mitos no belo reino dos sonhos pode render inspiração para acertar o título.

É o sorriso alegre do sambista! Beija-Flor derrama emoção na Sapucaí em desfile marcado por nostalgia no Carnaval 2025 – Sorriso alegre do sambista – Riorur – Tata Barreto e Alex Ferro a arte FL
Assim sendo, deixamos nosso palpite para as cinzas da quarta-feira. Ela, saudada pela majestade – o samba, pode levar esse carnaval à imortalidade, caso dê Beija-Flor na cabeça.