Atenção, Sapucaí: Mestre Ciça é o enredo da Viradouro para o Carnaval 2026 | @thaisbrumfotografa/Viradouro
A Unidos do Viradouro jogou pesado e fez história na noite desta terça-feira (6). Em sua quadra no Barreto, a escola anunciou, com emoção à flor da pele, que seu enredo para o Carnaval 2026 será uma homenagem em vida ao mestre de bateria Ciça — uma lenda viva do samba. Como resultado do próprio êxtase da comunidade, a Viradouro vai fazer história com o tema batizado como “Pra Cima, Ciça” e tocar fundo o coração da Sapucaí.
A revelação aconteceu num vídeo projetado no palco, com texto narrado por Marcelinho Calil, diretor-executivo da escola. A plateia foi à loucura quando o nome de Moacyr da Silva Pinto, o icônico Mestre Ciça, apareceu no telão. Ele, pego de surpresa, desabou em lágrimas. Estava selado: o coração da Viradouro bate mais forte em 2026.
“Um dos maiores sambistas da história será reverenciado da forma mais emocionante possível. É chegada a hora de contar, de cantar, de reverenciar em vida quem já é eterno. Vamos olhar nos seus olhos e dizer: você é gigante, você é enredo, você é o carnaval. Atenção, Sapucaí: o nosso grande homenageado e enredo para o ano que vem é um ídolo de muitas gerações e está em plena atividade no carnaval”, afirmou Marcelinho Calil no trecho final do texto do vídeo.
Um verdadeiro filho do carnaval
A homenagem não poderia ser mais merecida. Aos 69 anos e com 38 dedicados ao posto de mestre de bateria, Ciça tem a alma tingida pelas cores vermelho e branco, desde quando iniciou sua carreira no mundo do samba, na Unidos de São Carlos, sucessora da “Deixa Falar”. Entretanto, enganam-se aqueles que logo pensam que seu começo ocorreu na bateria.
Antes disso, Ciça pisou na passarela do samba – naqueles tempos ainda sem um palco fixo – como passista, em 1971, na sua escola do coração. Posteriormente, tornou-se mestre-sala. Tratava-se de um tempo que todas as pessoas da comunidade se envolviam em diversos setores das agremiações. Por amor, paixão e devoção à arte carnavalesca. Nesse sentido, jamais escondeu sua paixão pela agremiação que viria a se tornar Estácio de Sá, em 1984.
Ao se tornar ritmista, Moacyr logo se destacou e passou a diretor de bateria até chegar ao cargo que se incorporou ao seu apelido: Mestre Ciça, em 1988.
O primeiro desfile como titular da baqueta aconteceu em 1988, com o enredo o “Boi dá Bode”, de Rosa Magalhães. O samba tinha como puxador o lendário Dominguinhos do Estácio. Com o intérprete, a dobradinha veio a se repetir por mais quatro carnavais na Estácio entre 1992, quando foram campeões, e 1995, numa homenagem ao centenário do Flamengo.
Em 1999, Ciça reencontra Dominguinhos do Estácio na Viradouro, formando uma das duplas mais poderosas da história da agremiação niteroiense. Ali, o entrosamento de ambos deu identidade à escola e encantou a Sapucaí com paradinhas ousadas, ritmos inusitados e uma cadência que virou referência nacional. Até mesmo, com a bateria desfilando sobre um carro alegórico, em 2007, em “A Viradouro Vira o Jogo”.
Mestre Ciça: Rei vivo
Viradouro anuncia Mestre Ciça, regente da bateria da agremiação, como enredo para o Carnaval 2026, fazendo justa e merecida homenagem em vida ao sambista | Tata Barreto/Riotur
Antes do anúncio do enredo, a Viradouro lembrou que a avenida já foi morada de homenagens belíssimas. Sobretudo, de nomes eternizados pela arte, pela luta, pela história.
“Todos merecidos. Todos aplaudidos. Mas o que está por vir é novo. É ousado. É necessário. Vamos além da exaltação, vamos tocar o coração do samba. E vamos homenagear como nunca se fez antes, dessa forma, um filho legítimo do carnaval. Um sambista por essência por espírito, um professor nato, e que tem como marcas a ousadia e o profissionalismo. É um talento e um rei. Mas será que todos reconhecem a realeza desse personagem? O seu verdadeiro tamanho”, ponderou Marcelinho.
Esse rei sincero, verdadeiro, puro e honesto, jamais deixou de dizer o que pensa e sente sobre o samba e os rumos do carnaval. No ano passado, após um desentendimento com uma funcionária da Viradouro, chegou a anunciar sua saída da agremiação. No dia seguinte, após conversar com a direção da escola, voltou atrás e disse estar tudo superado.
Agora, vê-se que a lealdade da agremiação com o Mestre, naquele momento atribulado, não se resumia tão somente a resolver uma pendenga. Ou há prova maior de respeito, carinho, veneração e admiração do que se tornar enredo em vida da agremiação que tanto o ama?
Tempos sombrios afastaram o Mestre
Mesmo quando ficou ausente por 10 anos da agremiação, período coincidente de gestões precárias que levaram a Viradouro ao grupo de acesso, Ciça nunca deixou de estar no coração da comunidade da Viradouro.
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Ficou 10 anos fora, entre 2010 e 2019, quando retornou pelas mãos da família Calil, conquistando um vice-campeonato no regresso da escola ao Grupo Especial. Em 2020, ajudou a levar a escola ao segundo título da história, do mesmo modo que no carnaval 2024, com mais um campeonato. Agora, vira tema de enredo — consagrado como personagem vivo no maior espetáculo da Terra.
Ousadia, talento e justiça poética
O carnavalesco Tarcísio Zanon, conhecido por transformar enredos em grandes obras, promete um desfile épico. O artista afirma que a honra é enorme, tanto quanto o desafio de fazer um desfile à altura do homenageado. Além disso, Tarcísio enfatiza que a homenagem se estende a todos os mestres de bateria e ritmistas e demais profissionais que fazem a festa acontecer.
Carnavalesco Tarcísio Zanon abraçado ao Mestre Ciça, agora enredo da Viradouro para o Carnaval 2026 | @thaisbrumfotografa/Viradouro
“O Mestre Ciça é um baita profissional”. Ele é a lenda do Carnaval. Ele está sempre aqui na quadra, mas ele visita quase que diariamente o nosso barracão. Ele vai sempre na minha sala, a gente conversa, e numa brincadeira, numa conversa, ele falou assim: ‘um dia eu vou ser enredo, hein’. E eu falei pra ele: ‘e eu quero fazer o teu enredo’… Vamos trabalhar muito porque o mestre merece, ele é a lenda do carnaval”, disse Tarcísio Zanon
Na contramão de tantas homenagens póstumas, a Viradouro optou pela justiça em vida. Se Laíla, por exemplo, enredo do título da atual campeã Beija-Flor só foi reverenciado depois da morte, Ciça sobe ao altar do samba em pleno vigor. Com isso, a escola lança um desafio: fazer do Carnaval 2026 o mais emocionante da década.
Tal proposta se encaixa na visão do diretor-executivo Marcelinho Calil. Se referindo a Ciça como “lenda”, acima de tudo, confessou que nunca teve tanta vontade de fazer um carnaval.
Marcelinho Calil revela o entusiasmo de fazer homenagem em vida ao Mestre Ciça como enredo da Viradouro no Carnaval de 2026 | Reprodução/TV Viradouro
“Aqui a gente não vai esperar para fazer essa homenagem porque a gente tem que fazer com você na melhor forma, em plena atividade, guiando a sua bateria e em 206 guiando a escola ao título, se Deus quiser”, discursou Marcelinho Calil.
Muito emocionado e se dizendo meio perdido e surpreendido, Mestre Ciça manifestou sua gratidão. Agradeceu aos seus ritmistas, à comunidade – que lotou a quadra, bem como a todos os segmentos da vermelho e branco. Primordialmente, à esposa Tânia, por “lhe aturar” por tantos anos.
Mestre Ciça agradece à comunidade da Viradouro pelo carinho com homenagem através do enredo para o carnaval 2026. “Pra Cima, Ciça! | @thaisbrumfotografa/Viradouro
“Está difícil falar… Quero agradecer a Unidos do Viradouro, a toda equipe de trabalho, do porteiro até o nosso patrono, pelo carinho que a Viradouro sempre teve comigo. Eu vou dar tudo de mim. Obrigado. Eu fui pego de surpresa. “
Comunidade feliz
Não faltaram elogios à Viradouro pela escolha do enredo, tal qual sugestões ao carnavalesco Tarcísio Zanon, ao passo que uma delas propôs trazer todas as rainhas que já reinaram na frente do Mestre.
“Muito linda essa homenagem ao mestre Ciça. Carnavalesco, vamos trazer a frente da bateria todas às madrinhas que reinaram na frente do mestre, Luma de Oliveira, Juliana Paz , Paola Oliveira Erika Januza, etc. , vamos convidar essas musas para festa do Mestre Ciça”, disse Rita Nascimento
Isabele Coube destacou, em suma, a importância da homenagem em vida:
“Vamos com tudo minha Viradouro! Homenagear em vida é a homenagem mais linda que pode ser feita, nosso mestre merece! Vai ser emocionante”, comentou.
Maristela Muguet disse, simplesmente, que a Viradouro arrasou.
“Que linda a homenagem. Com certeza vai ser de arrepiar! A primeira paradinha na bateria, escutei com o grande Ciça”, comemorou.
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