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Um povo sem comentarista: há dez anos morria Jorge Nunes

Foto: Reprodução/Facebook

“Pô, o time tá se borrando todo! O adversário está fedendo a peixe e ninguém faz nada”, “Bota o cinco no veado e vê no que vai dar” e, principalmente, “Ah, moleeeeeeeeque!”. Essas são algumas expressões usadas por um comentarista tornou-se conhecido no rádio carioca e que marcou época: Jorge Nunes, falecido há exatos dez anos, em 31 de janeiro de 2014.

Cria do Sampaio, da Zona Norte do Rio, Jorginho era torcedor fanático do Vasco e trabalhou durante 25 anos na Light, mas sempre teve o sonho de ser comentarista esportivo, de preferência no rádio. Em uma época onde a cidade do Rio de Janeiro tinha muitas emissoras e fazia diversas coberturas, ele iniciou em transmissões de jogos de futebol de salão em emissoras como a Mauá 1060 AM e Tropical 104,5 FM (ambas extintas). O responsável por dar a primeira chance foi o narrador Garcia Júnior (sem parentesco com o dublador homônimo).

Paralelamente, cursou e se formou em Jornalismo na extinta Universidade Gama Filho. Trabalhou por anos no jornal O Povo, onde destacou-se com uma coluna esportiva. Inclusive, foi a partir disso que ganhou destaque na mídia até chegar à Rádio Tupi, onde tornou-se “O comentarista do povo”, em alusão ao impresso onde escrevia e também por analisar de forma simples o futebol, sem uso de termos excessivamente formais.

Na televisão, ele chegou a participar como convidado do programa “Debate Esportivo”, apresentado por Ricardo Mazella na antiga TVE (atual TV Brasil), no fim dos anos 1990. Também foi comentarista dos programas “Rio por Inteiro”, apresentado por Clóvis Monteiro na Record Tv Rio em 2002; “Esporte Mix”, comandado por Eugênio Leal em 2003 na Band; e o “Balanço Esportivo” na CNT, onde participava junto de Edilson Silva, Maurício Menezes, Ronaldo Castro e convidados.

Início na Tupi graças a “migué” de Apolinho

Mas engana-se quem pensa que a ida para a Rádio Tupi foi garantia de sucesso imediato. Em 2013, ele revelou ao jornalista Michel Menaei, que à época fazia parte do site “Rádio de Verdade” (atual “Mídia de Verdade”) que era apenas o quinto comentarista.

Como quase não comentava jogos nem entre “Olaria x Bonsucesso”, ele conseguiu uma oportunidade grande por meio de um “migué” de Washington Rodrigues, o Apolinho. O vídeo com a revelação está abaixo, a partir de 5:11

Simplicidade era a marca garantida

Se a popularidade de Jorginha aumentava graças ao rádio, uma coisa ele fazia questão de manter: o modo simples de vida. Todos os jornalistas que trabalharam com ele, sem exceção, são diretos: a arrogância passava longe, muito longe, do caráter dele. A Folha do Leste conversou com dois profissionais que trabalharam e conviveram com Jorge Nunes nos bastidores.

Fred D’Amato, atualmente ne Inter TV de Cabo Frio, na Região dos Lagos, trabalhou com Jorginho na Tupi no início da década de 2010. Ele era repórter de rua e fazia várias entradas ao vivo no programa Show da Manhã, apresentado por Clóvis Monteiro das 6 às 9 na Tupi. Jorginho era um dos comentaristas do programa e apresentava a visão popular dos temas que a atração falava.

Fred relembra sempre trocava ideia com ele após o programa. E a popularidade de Jorginho era certa principalmente em um público que o comentarista tanto gostava: as famosas “pretinhas”!

“A gente se encontrava sempre depois do programa do Clóvis. Eu fazia pautas de rua até meio-dia. Salvo os dias que tinha pauta longe, eu passava no Bairro de Fátima e a gente tomava açaí. E ficávamos de papo na barraca do Moisés, que vende frutas na Rua Tadeu Kosciusko. E quando dizem que ele era o ‘terror das pretinhas’ não era à toa. Meninas, moças, senhoras passavam e brincavam com ele, cheias de graça”, relembra Fred às gargalhadas.

Mas o repórter faz questão de ponderar que tudo era brincadeira. Afinal, Jorginho era casado com Kátia Fernandes, que era carinhosamente chamada de Katinha Nunes pelos ouvintes, ou simplesmente Katinha pelos amigos mais próximos.

“Tudo não passava de brincadeira. Ele era apaixonado pela esposa Katinha – que eu conheci, por sinal. Uma querida. Cuidou dele na saúde e na doença”, acrescenta Fred.

Katinha, a esposa, ao lado de Jorginho em um momento de lazer. Foto: Reprodução/Facebook.

E a simplicidade também se fazia presente nos comentários. Atualmente na RedeTv, Tony Vendramini participou ao lado de Jorginho por anos do programa “Bola em Jogo”, apresentado por Luiz Ribeiro aos domingos, também na Tupi, das 9 horas ao meio-dia. E ele afirma que o jeito simples e autêntico de Jorginho ao microfone o tornou único.

“Jorginho faz muita falta, deixou muita saudade. Conviver com ele era muito legal. O programa era sério, às vezes sisudo, e o Jorge era quem trazia a leveza para o debate. Esse contraponto engraçado era muito importante. O Jorginho era popular sem ser popularesco. Todo mundo do Bola em Jogo adorava, era divertíssimo”, relembra.

Tony afirma que ele era tão querido fora do ar que todos que passavam por ele nos bastidores manifestavam carinho. E o comentarista fazia questão de retribuir esse sentimento.

“Ele retribuía esse amor, principalmente ajudando o pessoal que começava na profissão, em especial quem era estagiário. Sentava ao lado de alguém e passava uma informação exclusiva para fazer essa pessoa crescer”, detalha.

Aumento de salário por acaso

Entre as histórias contadas pelos jornalistas que falaram com a reportagem, Fred recorda uma sobre um aumento exponencial de salário que Jorge Nunes teve. E o que é mais curioso foi a maneira como isso aconteceu, totalmente por acaso.

No auge da disputa de audiência entre Tupi e Globo nos anos 2010, em 2012 aconteceu um movimento considerado como bombástico: a saída de Luiz Penido, então o principal narrador da Rádio Tupi, para ser o número 1 da Rádio Globo, que tinha José Carlos Araújo de saída para o projeto da Bradesco Esportes FM, atualmente extinto.

Na ocasião, há quem diga que a Globo fez uma sondagem a Jorginho. Ciente dessa circulação nos bastidores, o então diretor-geral da Tupi, Alfredo Raymundo Filho, chamou Jorginho na sala da chefia para falar do aumento. Acontece que o comentarista não sabia dos boatos. Mas foi aí que, segundo Fred, ele exerceu a malandragem do bem que lhe era tão característica.

“O Jorge Nunese não se deslumbrava com dinheiro. Uma vez ele disse que o seu Alfredo ofereceu um salário mais de 10 vezes superior se comparado ao que tinha à época. Aí ele perguntou: ‘Seu Alfredo, por que você está aumentando meu salário?’. A resposta foi: ‘Ué, a Rádio Globo não está querendo te levar?’. O Jorginho disse para mim, posteriormente, que não fazia a menor ideia disso, mas na hora da conversa, naquele momento, foi na onda e disse:  ‘Pois é, a Rádio Globo tá querendo, mas antes, claro, eu ia falar contigo, porque a Tupi sempre será minha prioridade’ (gargalhadas). Resumindo: ali ele ficou rico sem querer”, diverte-se Fred.

A imperdível “Pelada dos Vagabundos” e outras histórias: Jorge Nunes fora do ar

Jeito simples, destaque graças aos comentários em rádio, paixão pela esposa Katinha e o amor pelo Vasco são algumas das características pelas quais até tornam conhecido o nome de Jorginho. Mas há inúmeras outras que fazem o nome do comentarista ser ainda maior. Isso explica o motivo dele ainda ter uma lembrança forte com os amigos.

Ciente das vaidades entre os profissionais do microfone, Jorge não  fazia média com os colegas. Se não gostava de alguém, falava na cara. E se soubesse que alguma pessoa passava necessidade, não se furtava em ajudar. Mas fazia de forma discreta.

Isso não significava que, entretanto, situações curiosas não aconteciam até na hora da caridade. Em entrevista ao jornalista Sérgio Solon Santos, o apresentador Wagner Menezes relembra, em conversa gravada em 2014, meses após o falecimento de Jorginho, uma história bem curiosa.

De acordo com Menezes, que apresentou ao lado de Jorge Nunes por décadas o “Giro Esportivo”, o comentarista ficou impressionado com um certo “dom” de um homem em situação de rua que ficava nas ruas da Lapa. A história pode ser vista no vídeo abaixo a partir de 1:19:22.

Mas se tinha algo que Jorge Nunes levava muito a sério, a ponto de arrumar brigas grandes, algumas até envolvendo representantes de marcas internacionais, era o futebol de rua com os amigos, as populares peladas.

Uma pelada em especial ele não perdia: a Pelada dos Vagabundos. Em vídeo feito por Sérgio Pugliese gravado em 2010, ele fala o que pensa das peladas.

Nascido em 16 de março de 1950, Jorge Nunes faleceu antes de completar 64 anos. A repercussão da morte do comentarista foi tão grande que o Cemitério do Catumbi, local do velório, ficou lotado. Todos os presentes queriam dar o último adeus ao Comentarista do Povo.

Além da viúva Katinha, ele deixou uma filha, Paula, fruto de um relacionamento antigo.

 

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