
Foto: Daniel Ebendinger – Divulgação
Beatriz Araújo, de 29 anos, nunca esconde sua admiração pelas apresentações de música clássica realizadas pelas suas turmas. A violista, estudante do Instituto Villa-Lobos, Escola de Música da Unirio, é a coordenadora do Núcleo do Complexo do Alemão do projeto Ação Social pela Música do Brasil (ASMB).
Fundada em 1996 pelo maestro David Machado e sua esposa, Fiorella Soares, diretora atual e violoncelista renomada, a ASMB é uma organização não governamental que atualmente atende mais de 4.700 alunos, de 6 a 18 anos, em 13 núcleos espalhados pelo Estado do Rio de Janeiro. As aulas de instrumentos musicais clássicos e as práticas de orquestra acontecem semanalmente em mais de 20 comunidades fluminenses, como Morro dos Macacos, Complexo do Alemão, Cidade de Deus, Manguinhos e Jardim Catarina, que recebeu uma unidade inaugurada este ano em São Gonçalo.
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Com 18 polos de musicalização em creches e escolas, além de cinco filiais fora do estado, em João Pessoa (PA) e Ji-Paraná (RO), o projeto tem como foco o ensino de instrumentos como violino, violoncelo, contrabaixo e viola nas dependências emprestadas pela Paróquia de São Tiago, em Inhaúma, bairro da Zona Norte do Rio de Janeiro. Anteriormente, o núcleo estava localizado no Casarão da Cultura, dentro do Complexo do Alemão, e atualmente atende cerca de 114 crianças e adolescentes das comunidades vizinhas.
Entre os alunos beneficiados pelo projeto, encontra-se o talentoso Natanael Paixão, de 23 anos, que participa do projeto desde 2012. Seu interesse pela música clássica foi despertado por um colega de brincadeiras de rua, o que levou-o a conhecer e se apaixonar pela viola. “Quando vi aqueles instrumentos lindos pela primeira vez, fiquei maravilhado”, relembra Natanael.
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Desde então, ele se dedicou intensivamente ao estudo da viola e, em 2016, conseguiu ingressar na Orquestra Sinfônica Jovem do Rio de Janeiro (OSJRJ), um grupo seleto composto por 55 jovens do Ação Social pela Música do Brasil, com idades entre 15 e 28 anos. A orquestra conquistou este ano o título de orquestra residente da PUC-Rio e realizou emocionantes apresentações no Theatro Municipal, na Sala Cecília Meirelles e na Cidade das Artes.
Natanael relembra momentos marcantes em sua trajetória, que pareciam saídos de um filme, como os dias em que acordava sob o som dos helicópteros da Polícia Militar voando sobre as casas e do caveirão passando pelas ruas do Complexo do Alemão, antes de se apresentar em prestigiados concertos, como no Teatro Municipal. “Eu conseguia escapar daquela guerra com grande dificuldade para ir tocar em um lugar lindo e maravilhoso”, compartilha Natanael.
Bolsa de estudos na França
Durante sua participação no Festival da Academia Internacional de Música de Solsona, na Espanha, em 2022, Natanael chamou a atenção pela sua espontaneidade ao tocar a viola. Essa destacada performance incentivou-o a correr atrás do seu sonho de estudar música clássica na Europa.
No mês de setembro deste ano, com o apoio do Ação Social pela Música do Brasil, Natanael embarcou para a França com uma bolsa de estudos no Conservatoire à Rayonnement Régional de Toulouse. “Essa conquista trouxe enorme alegria para mim e para aqueles que acreditaram no meu sonho, como Fiorella e os apoiadores do projeto”, revela ele, com entusiamo.
“A ARTE É TRANSFORMADORA”
Na época, a grande inovação implementada foi a presença dos professores e coordenadores nas comunidades, bem como a oferta de lanche, reforço escolar e aquisição de instrumentos musicais que ficariam à disposição dos moradores dessas regiões. Essa iniciativa se concretizou graças a parcerias estabelecidas com associações de bairros, igrejas locais e o apoio de patrocinadores generosos.
Fiorella ressalta que os valores adquiridos pelos jovens músicos são a herança mais importante deixada pelo projeto:
“A arte possui um poder transformador inegável, e a música clássica também contribui para o desenvolvimento de um trabalho em conjunto, que envolve desde o maestro até aqueles que estão nos papéis mais insignificantes. Os alunos aprendem a respeitar o silêncio, a concentrar-se, a ter foco e a respeitar o próximo. E, talvez o mais importante, aprendem a entender a hierarquia.”
“É extremamente gratificante testemunhar a superação de obstáculos pelos alunos. Percebemos que estamos desempenhando um trabalho relevante na vida dessas pessoas, não apenas ajudando-as a dominar um instrumento musical, mas também transformando suas vidas pessoais de maneira significativa”, afirma.
Gabrielle Ferreira, aluna do projeto desde 2018 e residente em Rio das Pedras, segue o mesmo caminho. Devido a limitações de mobilidade em uma das pernas, causadas por um acidente de atropelamento, ela enxerga na música sua única oportunidade de ingresso no mercado de trabalho.
“Realmente me vejo trabalhando nesse ramo. A música está muito próxima de mim e é algo que amo fazer”, destaca.