A advocacia preta sempre estará em luta. E sempre deverá lutar por seus espaços. Não adianta a roupa que estejamos usando, sempre pensarão que somos o autor da causa e nunca a advogada.
Não temos espaços de fala, de desenvolvimento de projetos e nunca somos vistas como capazes de realizar qualquer tarefa ou de ocupar qualquer papel de destaque dentro da carreira e de atividades que englobam as advogadas.
Ser mulher preta já nos coloca num lugar de vulnerabilidade, tendo que lidar com preconceitos, até mesmo de outras advogadas, brancas. Muitas entendem que aquele lugar não nos pertence, e que não temos competência.
Nossos cabelos incomodam, nosso jeito de se vestir incomoda, nossa inteligência incomoda, nosso cabelo Black Power incomoda, nossa beleza incomoda, e é com isso que temos que lidar diariamente. Não é conversa fiada, é fato!
Temos que lutar como Zumbi dos Palmares, Dandara, como Martin Luther King Jr.
Preconceitos
O racismo estrutural acaba por excluir a mulher negra advogada do ambiente jurídico. Se usamos nossos turbantes, tranças…, somo rechaçadas a nos despir de nossa identidade. Por quê? Porque somos estereotipadas como mulheres sem história, sem arcabouço jurídico, sem a mínima condição de defender os injustiçados.
As estatísticas mostram e comprovam que não temos o mesmo acesso as universidades, e com isso o sonho de ser uma advogada, por exemplo fica sempre em último plano. No sistema judiciário a predominância é de homens brancos, mulheres negras é raríssimo.
Ouvir, no meio jurídico, que por você usar um cabelo “Black Power não combina com a estrutura do escritório”, é ofensivo demais, e, por muitas vezes, coloca a mulher negra advogada em plena solidão, essa solidão é enfrentada por muitas mulheres que não conseguem se manter nesses espaços violentos.
Falta de representatividade
Em 2021, a proposta do Conselheiro Federal André Costa, atualmente o único conselheiro federal negro da entidade, teve aprovação. Ele defendeu a adoção das cotas raciais no percentual e 30% dos cargos na diretoria, de conselheiros do Conselho Federal, das seccionais e das subseções pelo período de 10 mandatos. Não tinham voz, e continuamos sem ter!!
Quando você entra numa subseção, depara-se com apenas uma advogada negra compondo os quadros da subseção. Todavia, nas eleições, verifica-se apenas uma pessoa negra compondo as chapas. Portanto, isso significa dizer que somos usadas apenas para cumprir tabela.
Apenas em 25/11/2022, Esperança Garcia, recebeu o devido reconhecimento como a primeira advogada negra do Brasil. No ano de 1770 – 118 anos antes da “abolição da escravidão negra”, ela peticionou, com o pouco conhecimento que detinha. ao Governador da Capitania de Piauí. Afinal, vigorava, ainda, a proibição do negro estudar. Primordialmente, a peça por ela redigida denunciava os vários tipos de violências, que ela, suas companheiras e família sofriam.
Mesmo não havendo direito constituído como a Constituição de 1988, a carta que Esperança Garcia escreveu adotou modelo de petição. Ela lutou e pediu DIGNIDADE. Por que a demora para este reconhecimento? Eu respondo, é tudo para cumprir tabela.
Dor pela cor da pele
Por duas, vezes senti na pele o racismo estrutural da nossa sociedade dentro o tribunal: uma por usar meu cabelo Black Power; outra, por associação à parte, mesmo tendo me identificando como advogada do processo.
Nunca nos verão como advogadas dotadas de saber, de força, de garra, mulheres em luta pela diversidade, pela igualdade, pelo Estado Democrático de Direito. Apenas nos verão como mais uma pessoa excluída da sociedade.
Na minha cerimônia de entrega das carteiras para novos advogados e advogadas, havia apenas uma companheira negra. Neste evento, ela contou a história dela, semelhante à minha. Em nossas narrativas, citamos a dificuldade para chegarmos àquele instante, as pessoas que nos ajudaram.
No final de tudo, ela disse para mim: “Ainda bem que você estava aqui, pensei que não haveria mais ninguém para representar as mulheres pretas”. Prontamente, respondi falando que ia dizer o mesmo à ela.
Podemos querer e queremos poder
É inadmissível que tenhamos que ter um dia voltado para a consciência negra, e tenhamos que reafirmar, diariamente, que somos e existimos. Somos advogadas, engenheiras, juízas, arquitetas, auxiliares de limpeza, cantoras, MCs, jogadoras de futebol, desembargadoras, professoras, motoristas… Por aí vamos, pois somos o que quisermos e não estamos aqui para nos calar.
Não podemos admitir que tenhamos de lutar diariamente para nos manter em determinada posição. Igualmente, intolerável que nos violem por sermos mulheres negras, e que uma carteira escrita, Advogada – Ordem dos Advogados do Brasil, não valha nada por sermos negras. A cor, em primeiro lugar!
Reflexão
Novembro, um mês de conscientização. Assim como temos advogados negros que lutam pela causa, somos mulheres negras que não deixaremos nenhuma barreira social determinar o que podemos fazer, falar ou ser.
Hoje, trata-se de um dia para refletir. Ler e aprender, que nós, o povo preto NÃO TEMOS OS MESMOS DIREITOS QUE uma pessoa branca. Lamentavelmente, não temos os mesmos privilégios. Por isso, temos que lutar diariamente. Desse modo, as futuras gerações poderão crescer fortes, para impor que nos orgulhamos da nossa luta, e de todos os antepassados que fizeram com que eu, você e outros de nós, pudéssemos estudar e nos tornar o que quisemos.