

Jaguar, cartunista icônico de O Pasquim, que inaugurou a imprensa alternativa no Brasil, morre neste domingo no Rio de Janeiro | Reprodução/ABI
Reportagem: Enzo Carvalho e André Freitas
O Brasil perdeu neste domingo (24) uma de personalidades mais irreverentes e críticas, que apenas usando lápis e papel fez do seu traço a destroça de que ajudou a derrubar um dos períodos mais sombrios vividos pelo Brasil. O cartunista Sérgio de Magalhães Gomes Jaguaribe, conhecido como Jaguar, morreu aos 91 anos no Rio de Janeiro, em decorrência de complicações renais após uma infecção respiratória. Ele estava internado no Hospital Copa D’Or, em Copacabana, onde passou seus últimos dias sob cuidados paliativos.
Nota Oficial do Hospital Copa D’Or sobre a morte de Jaguar
“O Hospital Copa D’Or informa, com pesar, o falecimento do Sr. Sérgio de Magalhães Jaguaribe, conhecido como Jaguar, aos 93 anos, na tarde deste domingo. O paciente se encontrava internado em razão de uma infecção respiratória, que evoluiu com complicações renais. Nos últimos dias, estava sob cuidados paliativos. O hospital se solidariza com a família, amigos e fãs por essa irreparável perda para a cultura brasileira”.
Do Banco do Brasil às páginas da resistência
Jaguar iniciou sua trajetória em 1952, quando ainda trabalhava no Banco do Brasil. Seu primeiro desenho foi publicado na coluna de humor Penúltima Hora, no jornal Última Hora. Pouco depois, passou a colaborar com a revista Manchete. O pseudônimo que o imortalizaria nasceu de uma sugestão do jornalista Borjalo.
O humor ácido e o traço inconfundível rapidamente o transformaram em referência, abrindo caminho para sua maior aventura cultural: o jornal O Pasquim.
O Pasquim: trincheira contra a ditadura
Fundado em 1969, O Pasquim reuniu Jaguar, Ziraldo, Millôr Fernandes, Henfil, Tarso de Castro, Paulo Francis e Ivan Lessa, entre outros nomes que fariam história. Em plena ditadura, o semanário virou símbolo da imprensa nanica — alternativa, crítica e resistente à censura.
Com charges mordazes, entrevistas ousadas e uma linguagem de deboche, o jornal desafiou o autoritarismo e marcou gerações. Jaguar deu vida ao Ratinho Sig, mascote que ironizava os militares e se tornou um ícone da resistência cultural.
O personagem inspirou o livro “Rato de Redação – Sig e a História do Pasquim, de Márcio Pinheiro (Matrix Editora, 192 páginas). Nesse sentido, o escritor reconstrói os 22 anos do semanário crítico e sarcástico que enfrentou a ditadura com o humor como arma.
Baseado em fontes diretas como exemplares digitalizados pela Biblioteca Nacional e entrevistas com ex-redatores, o autor usa o jornal como fio narrativo. Ele destasca personagens como o ratinho Sig, símbolo constante da publicação, bem como os conflitos internos que marcaram sua evolução em meio à repressão e à abertura política.
Força alternativa
Embora críticos conservadores tentassem rotular o jornal como irreverente demais, O Pasquim passou longe do chamado “jornalismo marrom” — termo pejorativo associado ao sensacionalismo barato. Pelo contrário, a historiografia registra o semanário como símbolo da imprensa alternativa. Sobretudo, por seu reconhecimento histórico em publicações de Natália Martins Besagio, José Luiz Braga e Bernardo Kucinski.
Jaguar, assim como o Pasquim, se estabeleceu como uma das principais trincheiras culturais contra a ditadura.
Além do Pasquim
Ao longo de sua vida, Jaguar enfrentou processos, censura e prisões, mas jamais recuou. Foi também o único fundador que permaneceu em O Pasquim até seu fim, em 1991, reafirmando seu compromisso com o projeto até o último suspiro editorial.
Além do icônico Sig, Jaguar criou figuras marcantes como Gastão, o vomitador, Boris, o homem tronco e o cartum Chopnics.
Paralelamente ao trabalho como cartunista, atuou por 17 anos como escriturário no Banco do Brasil, cargo que deixou em 1971. Sua trajetória no desenho passou por veículos de peso como a revista Senhor, o Jornal do Brasil, o Última Hora e O Estado de São Paulo.
Jornalismo satírico e literatura
Em 1999, voltou ao jornalismo satírico ao lado de Ziraldo e outros colegas de O Pasquim, lançando a revista Bundas, ao passo que, em 2000 publicou “Ipanema – Se Não Me Falha a Memória”. Em suma, um livro de memórias sobre o bairro, mais centrado nos anos de 1960 e 1970.
Logo depois, em 2001, lançou mais um livro: “Confesso que Bebi, Memórias de um Amnésico Alcoólico”. Nesta publicação, ele relatava sua vivência boêmia ao mesmo tempo que abordava a culinária carioca.
Vida pessoal
Jaguar teve dois filhos com a poeta Olga Savary, que faleceu em 2020, aos 86 anos. Com ela, ele teve um casal de filhos: Pedro Jaguaribe, falecido em 1999, aos 41 anos; e a escritora Flávia Savary. Atualmente, Jaguar tinha como companheira a médica Célia Regina Pierantoni.
Companheiros, homenagens e legado
Jaguar não caminhou sozinho, pois sempre esteve cercado de intelectuais, artistas e músicos que compartilharam a luta pela liberdade de expressão. Por exemplo, Chico Buarque, Caetano Veloso e Glauber Rocha. O impacto de sua obra alcançou tamanha profundidade que foi tão profundo que, em 1990, a escola de samba Acadêmicos de Santa Cruz prestou homenagem ao Pasquim com o enredo “Os Heróis da Resistência”.
Nos últimos anos, exposições, documentários e tributos, consolidaram a carreia e biografia de Jaguar como mestre e referência para novos cartunistas.
A comoção com a despedida
A morte de Jaguar gerou forte repercussão entre colegas e autoridades. Para Arnaldo Angeli Filho, Jaguar merece todas as reverências por sua arte.
“Dono do traço mais rebelde do cartum brasileiro. Seguimos aqui com sua bênção,” depôs Angeli.
Enquanto Laerte Coutinho, carinhosamente, referiu-se a Jaguar como “mestre querido” em postagem nas redes, Allan Sieber lembrou que Jaguar editou seu livro “Assim rasteja a humanidade”.
Chico Caruso declarou à TV Globo que sua morte é uma “perda irreparável para o humor e para o Brasil”,
“O mundo conhece a importância do legado do Jaguar”, lembrou o Professor, jornalista, chargista, ilustrador, infografista Genildo Ronchi
Manifestações no mundo político
No âmbito político e jurídico também choveram homenagens e lágrimas a Jaguar e seu legado.
“Perdemos hoje um dos grandes cartunistas do nosso país! Jaguar foi um brilhante artista e um dos criadores do jornal O Pasquim, veículo fundamental na crítica à ditadura militar”, disse Marcelo Freixo (PT), ex-deputado federal e ,atualmente, presidente da Embratur.
Luiz Marinho, ministro do Trabalho e Emprego, exclamou:
“Jaguar, presente! Meus sentimentos à família, aos amigos e aos milhões de fãs, como eu.”
O ministro Gilmar Mendes, decano do STF, também se manifestou:
“Recebo com pesar a notícia do falecimento de Jaguar, um dos maiores cartunistas brasileiros e fundador do histórico jornal O Pasquim. Sua irreverência e talento marcaram gerações.”
O adeus ao mestre
Jaguar partiu, mas seu traço permanece. Em cada charge que ousa enfrentar o poder ou risada que resistir à opressão, sua marca seguirá viva. Mais que cartunista, Jaguar cronista da história e arquiteto de uma das maiores trincheiras culturais contra a ditadura.
O Brasil se despede de um mestre do humor político. Acima de tudo, que inspira o trabalho que nós fazemos, a cada dia no Folha do Leste, cuja irreverência e relevância jamais morrerá.