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Cachorro atropelado na Transolímpica, em Curicica, Zona Oeste do Rio, é resgatado por protetor animal na Rua Esperança – VÍDEO

Cachorro atropelado em Curicica resgatado

Cachorro atropelado na Transolímpica, em Curicica, Zona Oeste do Rio de Janeiro, é resgatado na Rua Esperança | Reprodução

Na cidade onde o concreto engole as calçadas e o barulho dos motores silencia o choro, um corpo pequeno e indefeso jazia na pista. Domingo à noite, 19h, na Avenida Transolímpica, em Curicica, Zona Oeste do Rio, um cachorro sem raça definida foi atropelado e deixado para morrer. O motorista seguiu viagem, sem nenhuma freada ou olhada para trás. Simplesmente, nada, exceto desprezo.

Não havia sirene, ambulância ou socorro público à vista. Apenas o gesto comovente de moradores que, mesmo sem estrutura, puseram-se em risco, em meio aos carros, para remover o animal da via expressa para evitar que outros automóveis o esmagassem.

Sem muito mais a oferecer, o deixaram — com a delicadeza possível — numa rua cujo nome torna a situação em si ainda mais comovente: Rua Esperança. Ela dá acesso à mesma Transolímpica que feriu o cachorrinho, cujo olhar humilde expressava profunda tristeza.

O cachorro, consciente, bastante ferido, com o focinho e a cabeça sangrando, não conseguia sequer levantar. Mas ainda respirava, sentia dor e estava vivo.

Poder cuja omissão só executa animais

Porém, o poder público não estava por perto para lhe prestar socorro ou auxílio. Não por se tratar de um favor, mas sim de uma obrigação.

No entanto, o socorro veio de onde sempre vem: da solidariedade solitária dos invisíveis. Um vídeo circulou num grupo de moradores. E nele, Olímpicos — nome que o cãozinho ganhou — aparecia ferido, vencido, como se pedisse perdão por ocupar um espaço que a cidade parece não lhe conceder.

Então, eis que Bruno, mais um dentre tantos cidadãos que se tornou “protetor” por não conseguir ficar indiferente à omissão do poder público à causa animal, interrompeu os afazeres em sua casa, onde abriga gatos abandonados. Em meio a uma faxina — imediatamente interrompida — ele não hesitou em agir. Com a ajuda de Guga, resgatou, nomeou, acolheu, bem como cobrou de quem tem obrigações. Além disso, pediu ajuda em nome de um ser vivo.

Olímpicos precisa de ajuda

Agora, Olímpicos está hospedado. Entretanto, ainda vai passar por atendimento veterinário pela manhã. Certamente, será internado e precisará de cuidados caros.

Mas Bruno, como tantos protetores que sustentam com o próprio bolso o que seria obrigação do Estado, pede ajuda em nome de Olímpicos. Simplesmente, para salvar sua vida, ignorada pelo poder público. Aliás, quando falamos em poder público, estamos nos referindo a membros do governo que tem nomes e sobrenomes. Por exemplo, Eduardo Paes, prefeito do Rio de Janeiro.

Onde estava o SamuVet, criado pela Lei 6921/21? Onde está o resgate institucional nela previsto, prometido pelo então vereador Luiz Ramos Filho, hoje secretário da Secretaria Municipal de Proteção e Defesa dos Animais (SMPDA)?

A lei existe, mas não há ambulância, não há central de chamadas, não há plantão aos fins de semana. Só existe papel e, até onde sei, papel não estanca sangue.

Pior: a Lei 6435/18 obriga o poder público a resgatar animais em situação de maus-tratos, abandono ou em estado de necessidade, como em casos de atropelamento. Está lá, preto no branco, ignorada como o corpo de Olímpicos no asfalto. E é dever de todo cidadão cobrar esse direito que tem sido sistematicamente negado.

“É obrigação do poder público resgatar animais em condições de maus-tratos e abandono, principalmente em estado de necessidade devido à gravidade por atropelamento”, lembra Bruno.

Rotina imoral

A tragédia de Olímpicos não se trata de caso isolado, mas de uma triste e tenebrosa rotina. De uma cicatriz aberta em toda cidade, com dezenas de animais deixados à própria sorte, enquanto gabinetes esfriam leis que deveriam salvar vidas.

O cachorro da Rua Esperança sobreviveu — por enquanto — graças à compaixão de um cidadão comum. Mas quantos Olímpicos ainda morrerão até que o poder público cumpra sua função?

Não se trata apenas de uma omissão administrativa, mas de uma negligência moral. Porque toda vez que o poder público cruza os braços, ele autoriza o abandono, naturaliza a crueldade e institucionaliza a dor.

A esperança — aquela da placa de rua — agora tem um nome, quatro patas, olhos assustados e um corpo que tenta se reerguer. Ele ainda está vivo. E enquanto houver um cão caído sem socorro, nenhuma cidade pode se considerar humana.

Vídeo

Créditos do vídeo:  Bruno Cesar/redes sociais

 

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